Os outdoors da campanha presidencial de André Ventura, divulgados na semana passada, têm gerado polémica e levado várias figuras políticas a manifestarem-se publicamente sobre o seu conteúdo. Entre os cartazes há um que diz “Isto não é o Bangladesh” e um outro com a frase “Os ciganos têm de cumprir a lei”.
A deputada do PS Isabel Moreira considerou, num post nas redes sociais, que os outdoors “preenchem este crime previsto no Código Penal”, referindo-se ao crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência.
Mas será que pode estar mesmo em causa este crime?
De acordo com dois especialistas em Direito Penal contactados pelo Polígrafo, sim.
Para Sandra Oliveira e Silva, professora na Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP), “não conhecendo qualquer contexto para o cartaz, a única ideia que a frase ‘Isto não é o Bangladesh’ veicula é a de que os imigrantes daí oriundos não são bem-vindos a Portugal”.
Apesar de reconhecer que “a liberdade de expressão torna legítima a manifestação de opiniões incómodas e divisivas, em especial no plano do debate político”, a docente acredita que “este cartaz ultrapassa os limites do que pode ser admitido num Estado de Direito”. “Não se trata da expressão de um pensamento político mais amplo, mas de um slogan que se esgota numa única ideia, discriminatória em si mesma”, acrescenta.
Acautelando que pode “haver alguma flutuação no entendimento doutrinal e jurisprudencial a este respeito”, Sandra Oliveira e Silva considera que “a conduta pode, efetivamente, configurar incitamento à discriminação contra grupo de pessoas por causa da sua nacionalidade ou território de origem, punível nos termos do artigo 240, 2, d) do Código Penal”.
Na mesma linha, também o especialista em Direito Penal Paulo Saragoça da Matta concorda que a situação “cai claramente no n.º 2 do artigo 240”, principalmente nas alíneas b), c) e d).
“Onde fica mesmo indubitável é no n.º2, alínea c)”, apontou Saragoça da Matta. “O facto de dizer ‘Isto não é o Bangladesh’ significará, em termos de ‘ameaça’, dizer que os cidadãos do Bangladesh cá presentes e outros de cidadanias próximas terão de ser excluídos, devem ser tratados de uma forma diferente (…) Este tipo de afirmação em propaganda – que é o que se trata, propaganda política – é um meio claríssimo de incitar à discriminação, ao ódio ou mesmo violência contra estas pessoas.”
Questionado sobre se a frase “Portugal não é o Bangladesh” pode ser defendida como sendo factualmente verdadeira, o especialista em Direito Penal sublinha: “É preciso ser absolutamente estúpido ou desonesto para achar que aquela frase quer dizer aquilo que é explícito. Não há outra hipótese de ler aquela frase que não seja como um ataque a uma determinada nacionalidade, ou cidadania ou origem.”
Apesar de um dos especialistas em Direito Penal contactados pelo Polígrafo acautelar ser possível haver “alguma flutuação no entendimento doutrinal e jurisprudencial” da situação, ambos consideram que a mensagem veiculada pelos outdoors da campanha de André Ventura pode efetivamente configurar um crime de discriminação e incitamento ao ódio.
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Avaliação do Polígrafo:


