- O que está em causa?O primeiro-ministro demissionário será alvo de uma investigação levada a cabo pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), uma vez que tem direito ao denominado foro especial pelo cargo que (ainda) exerce. Mas será que António Costa vai manter esse direito após a demissão?

A demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro, no âmbito de um processo em que será investigado autonomamente no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), colocou o país novamente numa crise política cujos próximos passos estão agora nas mãos do Presidente da República.
Na qualidade de primeiro-ministro, Costa tem o direito ao denominado foro especial que remete a investigação do Ministério Público para o STJ.
Mas, tendo em conta a demissão já aceite pelo Presidente da República, será que vai manter esse privilégio?
A resposta não é simples. Há uma contradição de leis que torna a questão mais complexa, segundo explica Paulo Saragoça da Matta, advogado especializado em Direito Penal.
Em causa a lei relativa aos crimes da responsabilidade de titulares políticos, ou seja, dos crimes praticados por políticos, cuja primeira versão remonta a 1987.
De acordo com Saragoça da Matta, "essa lei foi alterada várias vezes ao longo dos anos", sendo que a alteração feita em 2021, que diz especificamente qual o tribunal competente para julgar os crimes da responsabilidade de quem está nas funções de primeiro-ministro, "contradiz totalmente uma norma que já é antiga e que vinha do Código de Processo Penal (CPP)".
A legislação de 2021 determina que "o primeiro-ministro responde perante o Plenário do Tribunal da Relação de Lisboa, com recurso para o Supremo Tribunal de Justiça". Já a norma do CPP, no Artigo 11.º, número 3, alínea a), estabelece que "compete ao pleno das secções criminais do STJ, em matéria penal, julgar o primeiro-ministro, além de outros, pelos crimes praticados no exercício das suas funções".
Saragoça da Matta indica que nesta norma mais antiga não houve alteração e, assim sendo, "temos um CPP que se vê em contradição com uma norma de um outro diploma, norma é essa que é posterior". Ou seja, "se são dois diplomas do Parlamento, uma norma posterior estará a revogar tacitamente a lei anterior". Logo, a competência "nunca teria sido, desde 2021, do Supremo, mas sim da Relação".
Assim, havendo esta dúvida, como se resolve o problema? Segundo o advogado, para decidir é utilizada "a forma mais defensora dos direitos do investigado, e presume-se que quanto mais elevado o tribunal, maiores são as garantias do investigado pela especialização, competência e experiência dos juízes". Portanto, apesar de haver a contradição de leis, "a investigação deve seguir a via mais defensiva e cautelosa" que é a do Supremo Tribunal de Justiça.
"Uma vez fixada a competência, esta permanece se for mais benéfica para o investigado", sublinha Saragoça da Matta.
O advogado defende que, caso contrário, a defesa poderá argumentar que "deve continuar no Supremo por estas razões".
E, mesmo após a demissão do cargo, o penalista considera que Costa mantém esse direito porque "a norma que atribui um foro especial tem como critério o crime praticado no exercício de funções do cargo político".
Caso diferente é o de José Sócrates porque "quando o inquérito que estava noticiado requereu a intervenção jurisdicional, o então primeiro-ministro já não era primeiro-ministro, já não estava sequer em exercício de funções".
Saragoça da Matta volta a invocar Artigo 11.º, número 3, alínea a) do CPP para reforçar este critério, pois não refere "que o STJ só é competente enquanto o primeiro-ministro ainda está em funções", mas diz que é competente "pelos crimes praticados no exercício das suas funções".
_______________________________
Avaliação do Polígrafo:
