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Investidores em Certificados de Aforro vão receber menos depois das pressões da banca para baixar taxa de juro?

O que está em causa?
O Governo decidiu terminar as subscrições da Série E dos Certificados de Aforro, cuja taxa de juro está fixada em 3,5%, avançando com uma nova Série F em que "a taxa base não poderá ser superior a 2,5%". Poucos dias antes, o presidente do Banco CTT tinha defendido em público que o Governo deveria "interromper a emissão de Certificados de Aforro". Os investidores neste produto financeiro vão passar a ter uma menor rentabilidade após estas alterações? E, apesar disso, continua a ser (ou não) mais vantajoso do que a presente oferta dos bancos privados?

Em entrevista à CNN Portugal, a 29 de maio, o economista João Moreira Rato, presidente não executivo do Banco CTT, defendeu que o Governo deveria “interromper a emissão de Certificados de Aforro“, na medida em que “a dívida a taxa variável provavelmente não deveria ser muito mais do que 15% do total”.

“Pode-se anunciar ao público que vão ter mais três meses [para subscrever Certificados de Aforro] e que depois, apenas estará disponível um montante mais pequeno, ou então interromper a emissão de Certificados durante três ou quatro meses para reiniciar mais tarde, mas com um aviso prévio”, sugeriu Moreira Rato, que desempenhou o cargo de presidente do Conselho de Administração da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) entre 2012 e 2014.

Na perspetiva de Moreira Rato, a taxa de juro dos Certificados de Aforro já deveria “ter sido corrigida no Verão passado”, embora ressalve que “é muito importante preservar a credibilidade do produto” e, como tal, qualquer alteração que venha a ser feita “não deveria parecer puramente discricionária“.

De resto, admitiu que os bancos em geral preferiam que se travassem os Certificados de Aforro e sublinhou que “deve evitar-se estar demasiado dependente de um só tipo de instrumento e por isso, neste momento, a emissão de Certificados de Aforro acaba por pôr em causa um bocadinho de tudo o resto”.

Quatro dias depois, a 2 de junho, o IGCP anunciou na sua página que “a subscrição de Certificados de Aforro da série E foi suspensa” e posteriormente, no mesmo dia, informou que “atendendo às circunstâncias verificadas nos mercados financeiros,  e com vista a garantir o equilíbrio entre os objetivos definidos para a gestão da dívida pública e o incentivo à poupança das famílias, a Portaria 149-A/2023 cria a Série F de Certificados de Aforro, nas condições aí constantes, e termina as subscrições da Série E“.

“As séries anteriores, incluindo a Série E, mantêm as respetivas condições remuneratórias. Os Certificados de Aforro da Série F são valores escriturais nominativos, representados unicamente por registos em conta, sem possibilidade de designação de um movimentador para a subscrição”, acrescentou o IGCP.

Em junho de 2023, a taxa de juro bruta para novas subscrições e capitalizações de Certificados de Aforro da Série E foi fixada em 3,5%. Na nova Série F, porém, determina-se que “a taxa base não poderá ser superior a 2,5%“. Ao que acresce um “prémio de permanência” entre 0,25% (do 2.º ao 5.º ano de subscrição) e 1,75% (no 14.º e 15.º anos).

Ou seja, a taxa de juro máxima baixou de 3,5% para 2,5%, o que diminui o potencial de rentabilidade do produto. O “prémio de permanência” também foi reduzido, tal como o valor máximo de subscrições que um único aforrador pode realizar: de 250 mil para 50 mil euros. Em sentido inverso, o prazo máximo de vigência de um Certificado de Aforro foi aumentado de 10 para 15 anos.

Apesar da componente de ironia, a polémica frase proferida pelo ministro das Finanças na audição parlamentar de 11 de abril - ao explicar o desempenho de funções de Laura Cravo (mulher de João Galamba, ministro das Infraestruturas) num departamento do Ministério das Finanças, sem ter sido nomeada - não deixa de ter substância para uma verificação de factos e o Polígrafo não falta à chamada.

Estas alterações parecem ir ao encontro do pretendido pelos bancos privados, aliás poucos dias após as referidas declarações do presidente de um desses bancos que pressionavam nesse sentido. Mas o secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, apressou-se a garantir, logo a 3 de maio, que “não houve qualquer pressão. Existe zero de cedência. Aliás, as medidas que temos tomado desde novembro do ano passado relativamente ao crédito, estimulando a concorrência, refletem bem isso”.

Neste ponto importa salientar que a 17 de abril, na apresentação do “Programa de Estabilidade 2023-2027”, o ministro das Finanças, Fernando Medina, já tinha declarado que “teremos de avaliar a forma como as subscrições [de Certificados de Aforro] ocorrem ao longo dos próximos meses”.

Questionado sobre a elevada procura dos Certificados de Aforro, Medina considerou que tal decorre da “livre escolha que os portugueses têm feito por não encontrarem no mercado uma oferta do ponto de vista da poupança que seja compatível com uma remuneração adequada”, embora ressalvando: “Naturalmente que do ponto de vista das necessidades de financiamento do Estado isso tem de ser balizado.”

Independentemente da “pressão” ou “cedência” aos interesses dos bancos privados, o facto comprovado é que a nova série de Certificados de Aforro terá uma menor rentabilidade para os subscritores. No entanto, as alterações não se aplicam às séries anteriores que “mantêm as respetivas condições remuneratórias”. Ou seja, o que está em causa são as novas subscrições de Certificados de Aforro, sem efeito nas anteriores.

Por outro lado, mesmo sob as novas condições da Série F de Certificados de Aforro, estes continuam a ser mais vantajosos do que a generalidade da oferta nos bancos privados.

No Banco Santander, por exemplo, o “Depósito a Prazo Crescente Premium+” baseia-se numa taxa de juro crescente de 0,10% no 1.º trimestre até 2% no 8.º trimestre, perfazendo uma média de 0,6375% ao longo do prazo de 24 meses. Mas implica “manter-se como primeiro titular da conta cartão com Cartão de Crédito Platinum ativo”, entre outras condições. Nas restantes opções também não identificamos produtos que cheguem ao nível das taxas de juro dos Certificados de Aforro.

Noutro exemplo, o Millennium BCP propõe um “Depósito 3 Anos” com um valor mínimo de constituição de 25 mil euros, baseado numa taxa de juro crescente de 0,75% no 1.º ano até 3% no 3.º ano, perfazendo uma média de 1,75% ao ano, “se mantido até ao vencimento”. Há mais opções que também ficam aquém da remuneração dos Certificados de Aforro.

O BPI, por sua vez, disponibiliza uma opção de depósito a prazo “DP BPI+” a partir de 250 euros, mediante duas opções de prazo: a 180 dias, com taxa de juro bruta de 1,25%; a 360 dias, com taxa de juro bruta de 1,5%. Nas outras opções deste banco também não encontramos taxas de juro que se aproximem da fasquia dos Certificados de Aforro.

Quanto ao Novo Banco, por entre várias opções de depósitos a prazo, a taxa de juro média varia entre 0,07% e 1,5%, a grande distância dos Certificados de Aforro.

Neste âmbito, recorde-se que, logo a 3 de junho, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, declarou que “a banca não pode esperar, tem de fazer um esforçozinho para perceber que se as pessoas apostam em taxas de juro de três vírgula tal por cento é porque recebem na banca um terço. Tem de se fazer um esforçozinho para tornar mais atraente a situação para os depositantes portugueses”.

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Avaliação do Polígrafo:

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