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Inventor dos testes PCR afirmou que não permitem diagnosticar uma infeção viral?

Coronavírus
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
É mais uma tentativa de descredibilizar os testes PCR nas redes sociais. Desta vez alega-se que o inventor dos mesmos, Kary Mullis (identificado erradamente na publicação como uma mulher), terá enfatizado que o método não permite diagnosticar infeções virais.

“Há uma histeria pública totalmente infundada que está a ser conduzida pela media e pelos políticos. Esta é a maior fraude já cometida contra um público não avisado. A inventora do teste PCR, Kary Mullis, vencedora do Nobel, que morreu em 2019, havia repetidamente enfatizado que o teste PCR não pode diagnosticar uma infeção viral”, lê-se no texto da publicação (com origem num blog) que está a ser difundida nas redes sociais.

Essa alegação em específico tem fundamento?

Importa começar por salientar que se trata de um inventor e não inventora, na medida em que Kary Mullis era um homem. Faleceu em agosto de 2019 antes de as autoridades chinesas comunicarem a detecção do primeiro caso de Covid-19 à Organização Mundial da Saúde (OMS), no dia 31 de dezembro de 2019.

Bioquímico de formação e norte-americano de nacionalidade, confirma-se que Mullis foi o criador dos testes de reação em cadeia da polimerase (PCR) e vencedor do prémio Nobel da Química em 1993.

No entanto, tal como já verificou a Reuters, Mullis nunca disse que o teste PCR não identifica infeções virais. Na realidade, essa alegação (falsa) é da autoria de John Lauritsen, escritor e negacionista do HIV, tendo sido expressa num ensaio de 1996.

Lendo o ensaio deparamos com a frase em causa: “Estes testes não conseguem detetar vírus infeciosos livres, de todo. (…) Os testes podem detetar sequências genéticas de vírus, mas não os próprios vírus”. É da autoria de Lauritsen, não de Mullis. O que Mullis disse é que “o PCR quantitativo é um oxímoro“. O bioquímico referia-se ao facto de o teste PCR identificar substâncias qualitativamente e não quantitativamente. Será essa a origem do equívoco.

Ou seja, o método permite identificar o que é, mas não em que quantidade. Em momento algum Mullis afirmou que o teste PCR não identifica vírus. Mesmo essa citação também está descontextualizada, na medida em que o bioquímico se referia ao HIV e não ao SARS-CoV-2.

“Mesmo que o teste fosse fraco, basta olhar para o que está a acontecer no nosso país. O aumento do número de testes positivos acompanha o aumento de número de pessoas que ficam internadas. Se o teste fosse problemático nesse sentido, o número de internamentos e de admissões em UCI não acompanharia o aumento do número de casos”, sublinha João Júlio Cerqueira.

João Júlio Cerqueira, médico especialista de Medicina Geral e Familiar, garantiu recentemente ao Polígrafo que “o teste PCR tem uma especificidade muito próxima dos 100%“.

Nesse sentido, exemplificou: “Há países a fazer testes de forma massiva na população geral, em circunstâncias de baixa prevalência, e mesmo considerando todos os positivos como sendo falso-positivos, a especificidade seria de 99,9%”.

“Mesmo que o teste fosse fraco, basta olhar para o que está a acontecer no nosso país. O aumento do número de testes positivos acompanha o aumento de número de pessoas que ficam internadas. Se o teste fosse problemático nesse sentido, o número de internamentos e de admissões em UCI não acompanharia o aumento do número de casos”, concluiu.

Também em declarações ao Polígrafo, Celso Cunha, virologista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, já tinha assegurado que, apesar de existirem muitos testes PCR, os que são utilizados para encontrar “o genoma do SARS-CoV-2 foram desenhados para o detetar e são absolutamente específicos para este vírus em concreto”.

Ou seja, os testes pesquisam o material genético do SARS-CoV-2, o novo coronavírus que causa a Covid-19, na amostra colhida pela zaragatoa e nada mais. Na prática, estes “não são capazes de detetar os outros coronavírus sazonais, que causam vulgares constipações, nas condições experimentais que são utilizadas, muito menos qualquer outro vírus que pertença a uma família diferente dos coronavírus”, sublinha o especialista. 

No final de julho, o Polígrafo analisou uma publicação alegando (falsamente) que a margem de erro dos testes à Covid-19 é superior a 80%. Defeitos nos testes, contaminação ou má recolha de amostragens podem alterar os resultados do diagnósticos. E nenhum destes elementos está relacionado com a margem de erro original do teste.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebookeste conteúdo é:

Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente Falso” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafoeste conteúdo é:

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