“Adivinhe qual deles é um homem”
A frase, usada para legendar a imagem de um combate de boxe entre um atleta equipado de encarnado e outro de azul, foi colocada na rede X no passado dia 1 de agosto, pouco tempo depois do já célebre confronto que nesse dia opôs a argelina Imane Khelif e a italiana Angela Carini, em que a europeia desistiu ao fim de 46 segundos, proferindo ainda no ringue a frase “não é justo” e recusando-se, depois, a cumprimentar a adversária.
A fotografia é tirada num momento em que o atleta de encarnado está a dar um soco no seu adversário e, por isso, com os músculos dos dois braços mais salientes.
A publicação suscita um primeiro comentário de resposta de outro utilizador do X – “O árbitro” – o qual, por sua vez, leva o autor da publicação a ser ainda mais explícito – “E o lutador de encarnado”.
Recorde-se que nesse combate de dia 1 de agosto, Khelif estava de encarnado e Carini de azul, pelo que é evidente a tentativa de associação da imagem e do texto dessa publicação ao confronto ocorrido nesse dia.
A fotografia diz respeito ao combate ocorrido nestes JO?
Não. Um pormenor salta à vista, mesmo antes de ser observado o vídeo do duelo entre a argelina e a italiana: a máscara usada pelo árbitro. Esta proteção obrigatória não vigora em Paris 2024, foi sim um imperativo nos Jogos de Tóquio , visto ter ocorrido ainda sob a classificação da OMS de “pandemia”.
Há ainda um elemento percetível na imagem que, na comparação com o vídeo do polémico combate, permite perceber que não se trata deste: enquanto em Paris 2024 a atleta de encarnado (Imane Khelif) tem um equipamento da marca Nike, na imagem da publicação agora verificada a boxeur que usa essa mesma cor tem um uniforme da Adidas.
Como tal, torna-se desde logo claro que a atleta de encarnado na imagem não é a argelina Khelif, como pretende sugerir o autor da publicação.
E é possível decifrar qual é o combate que a imagem ilustra? E se quem está de encarnado é um homem ou uma mulher?
A análise mais pormenorizada (aumentada) da fotografia deixa perceber, na parte superior esquerda do equipamento do atleta de encarnado, a inscrição dos anéis olímpicos. Ora, tal elemento, somado ao facto do árbitro estar de máscara, revela que se tratou de um combate ocorrido nos últimos Jogos Olímpicos, realizados em Tóquio.
Ainda no equipamento do atleta de encarnado pode ver-se a imagem de um trevo sobre os anéis olímpicos. Esse é o símbolo da Irlanda, que é utilizado em tudo o que diga respeito à identificação do país nos JO, como por exemplo na respetiva indumentária.
Por outro lado, Imane Khelif já havia participado em Tóquio 2020, tendo sido eliminada na segunda ronda, justamente por uma atleta irlandesa: kellie Anne Harrington (que se sagraria medalha de ouro).
Consultando o vídeo desse combate, ocorrido a 3 de agosto de 2021, percebe-se que a imagem da publicação diz respeito justamente a esse duelo. Por três factos: o mesmo equipamento encarnado com o trevo, da irlandesa; de azul, a presença de Imane Khelif (identificável pelas mesmas madeixas loiras que então usava e pelo top interior cor de salmão), e, ainda de forma mais notória, o árbitro, que é exatamente o mesmo.
Assim, a imagem retrata duas atletas femininas do boxe e não um homem e uma mulher. E quanto à boxeur de encarnado, que o autor da publicação insinuava ser Imane Khelif, é justamente a atleta que a derrotou nos JO de Tóquio 2020 e no combate em que o fez. Portanto, pela lógica do autor do post, a argelina (de azul) seria, aqui, a vítima de um combate desigual, porque travado com alguém que não seria do mesmo género (o que não é verdade, pois tratam-se de duas mulheres).
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Avaliação do Polígrafo: