“A União Europeia aprovou o regulamento relativo à identidade digital que deve ser transportada nos telemóveis. Todos os países devem ter a identidade digital dos seus cidadãos até 2026, o mais tardar. Trata-se de um grande ‘avanço’ para as elites dominantes que poderão controlar absolutamente tudo sobre nós, desde as contas bancárias aos dados de saúde, e limitar os nossos direitos com um simples toque num botão.” [versão traduzida]
Esta mensagem publicada no X foi também colocada noutras três redes sociais (Facebook, Instagram e TikTok) por uma conta com o nome “Un abogado contra la demagogia”, com a remissão para o link do YouTube do mesmo utilizador. Aí, um vídeo de quase nove minutos – sob o título “Atenção aprovada a nossa identidade digital europeia pela EU e por Pedro Sánchez” – é mais explicativo quanto ao tema.
Posteriormente, em três das quatro redes a publicação foi apagada (mas não as respetivas contas), mantendo-se a do X e do YouTube, assim como boa parte das milhares partilhas que espalharam o conteúdo agora verificado. Outras mensagens ainda, conforme relata a EFE Verifica (área de fact-checking da agência EFE), aludem ao controlo total sobre os cidadãos, dando como exemplo a aplicação e execução de multas de modo arbitrário.
Em causa está a Identidade Digital Europeia – concretizada através da carteira europeia de identificação digital –, que pretende tornar possível o reconhecimento mútuo de sistemas nacionais de identificação eletrónica e, deste modo, permitir que um cidadão europeu veja reconhecida a sua identidade em qualquer país da UE, bem como o acesso a serviços de grande utilidade, nomeadamente aqueles que são públicos. Tudo isto através de uma autenticação online, efetuada a partir de um smartphone ou computador.
O Regulamento que consagra a Identidade Digital Europeia foi aprovado no dia 29 de fevereiro pelo Parlamento Europeu e no dia 26 de março pelo Conselho da UE, daí o recrudescer de alertas sobre os seus alegados efeitos nocivos para a privacidade e liberdade dos cidadãos.
A carteira digital europeia é obrigatória?
Não. O Regulamento agora aprovado é muito claro. Os países são, de facto, obrigados a disponibilizarem aos seus cidadãos esse instrumento de identificação (até 2026), mas a adesão destes não é obrigatória, ao contrário do que é afirmado na publicação. Segundo se lê em comunicado de imprensa do Parlamento Europeu de 29 de fevereiro, após a aprovação da Proposta de Regulamento 2021/0136 (Identidade Digital Europeia):
E quem adere é obrigado a colocar todos os seus dados pessoais à disposição de cada entidade perante a qual pretende validar a sua identificação?
Não. Cabe ao cidadão, individualmente, escolher as entidades com quem partilha os seus dados (naturalmente, terão de ser os necessários para concretizar a autenticação) e, em cada situação, quais vai partilhar. Trata-se de uma opção exercida no momento da interação digital. Por exemplo, com um mesmo serviço do Estado, mas para fins e em ocasiões diferentes, um cidadão pode disponibilizar um número diferente de dados, conforme aquilo que é estritamente necessário.
Este princípio da escolha pelo sujeito dos dados que vai disponibilizar e a segurança da informação transmitida e o seu uso para os fins estritamente previstos/autorizados constituíram preocupações centrais do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, conforme evidenciado quer na legislação aprovada, quer na informação institucional que a apresenta. Na Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho (aprovada) que altera o Regulamento (UE) n.º 910/2014 no respeitante à criação de um Quadro Europeu para a Identidade Digital (2021/0136), lê-se:
Já no comunicado de imprensa do Parlamento Europeu de 29 de fevereiro, após a aprovação da Proposta de Regulamento 2021/0136 (Identidade Digital Europeia), refere-se:
Finalmente, segundo as “Estratégias e políticas da Comissão Europeia 2019-2024”, no capítulo dedicado à Identidade Digital Europeia, destaca-se:
Assim, é falso que a carteira europeia de identidade digital seja, por um lado, obrigatória e, por outro, que a respetiva adesão implique a disponibilização de todos e/ou sempre da mesma extensão de dados. Cabe ao titular desses elementos decidir quais vai apresentar e junto de quem (entidades) pretende utilizá-los para validar a sua identidade.
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Este artigo foi desenvolvido pelo Polígrafo no âmbito do projeto “EUROPA”. O projeto foi cofinanciado pela União Europeia no âmbito do programa de subvenções do Parlamento Europeu no domínio da comunicação. O Parlamento Europeu não foi associado à sua preparação e não é de modo algum responsável pelos dados, informações ou pontos de vista expressos no contexto do projeto, nem está por eles vinculado, cabendo a responsabilidade dos mesmos, nos termos do direito aplicável, unicamente aos autores, às pessoas entrevistadas, aos editores ou aos difusores do programa. O Parlamento Europeu não pode, além disso, ser considerado responsável pelos prejuízos, diretos ou indiretos, que a realização do projeto possa causar.
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Avaliação do Polígrafo: