Na agitação política que tem marcado os últimos dias – e que se prevê que continue até à apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2025 – faz-se contas a quem negociará com quem para viabilizar o documento. O Partido Socialista traça como “linhas vermelhas” medidas como o “IRS Jovem” e a descida do IRC, apontando-as como negativas, ao passo que o Executivo parece não querer ceder nestas duas bandeiras.
Alexandra Leitão argumentou, ontem à noite (24 de setembro) no programa “É ou Não É”, da RTP, que “ainda ninguém propôs nada de diferente” em relação às “linhas vermelhas” do PS e justificou: “Já tivemos várias pessoas individuais, peritos ou órgãos importantes como o Conselho das Finanças Públicas (CFP) a dizer que o ‘IRS Jovem’ é uma má medida porque não é eficiente e cria défice orçamental.”
A declaração foi interrompida pelo líder parlamentar do PSD que sublinhou que “não é verdade, é falso” que o CFP tenha dado tal parecer.
Quem tem razão?
De acordo com o Relatório n.º 09/2024, do CFP publicado no dia 19 de setembro e elaborado “com base na informação disponível até ao dia 6 de setembro de 2024”, a projeção macroeconómica “aponta para um abrandamento do ritmo de crescimento do produto interno bruto (PIB) em volume para 1,8% em 2024 (2,3% em 2023) e um crescimento de 2,4% em 2025 e 2,1% em 2026, impulsionado pela aceleração do investimento público, especialmente através da execução dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)”.
De facto, o cenário é de crescimento até ao fim do PRR, que “terá em 2027 um impacto negativo significativo no investimento”, levando à “desaceleração do crescimento do PIB para 1,6% nesse ano”. Mas esta projeção não inclui, contudo, “o impacto da alteração do regime de ‘IRS Jovem’ anunciada pelo Governo” e que ainda não foi aprovada.
Segundo o CFP, esta medida provocaria “uma revisão em baixa do saldo de 0,3 p.p. do PIB de 2025 a 2028, implicando o regresso a uma situação de défice em 2026 (0,2% do PIB).”
Mais recentemente, em entrevista à RTP (21 de setembro), a presidente do CFP, Nazaré da Costa Cabral, indicou que o Governo terá de “pesar aquilo que eventualmente pode ser uma perda de receita com impactos orçamentais com outro tipo de ganhos económicos e sociais”, remetendo para o Executivo de Luís Montenegro a avaliação do custo-benefício dessa medida.
Além disso, o Governo, pela voz do ministro da Presidência, já tinha comentado essas previsões negativas em relação ao IRS Jovem, desvalorizando-as. António Leitão Amaro sublinhou que esta é uma “medida importante para o Governo” e considerou que “em 2027 e 2028, mesmo com o ‘IRS’ Jovem é possível ter excedentes orçamentais e que em 2026 sem o efeito do Plano de Recuperação e Resiliência seria possível ter excedentes, mesmo com o ‘IRS Jovem'”.
Em resumo, Hugo Soares tem razão quando nega que o CFP alguma vez tenha dito que a alteração do IRS jovem seria uma má medida, mas também é verdade que no relatório publicado por aquele organismo fica claro que a medida terá, como Alexandra Leitão sublinhou (e Hugo Soares rebateu), um impacto orçamental que poderá, em 2026, gerar um défice na conta geral do Estado.
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Avaliação do Polígrafo:
Atualização: Por lapso, atribuímos a avaliação de “Falso” à declaração do líder parlamentar do PSD aquando da publicação deste fact-check durante a manhã de hoje, 25 de setembro. Às 19h31 essa avaliação foi atualizada para “Verdadeiro, mas…”, tendo em conta que efetivamente o Conselho de Finanças Públicas (CFP) nunca afirmou taxativamente que o IRS jovem preconizado pelo Governo é uma “má medida”. Independentemente disso, também é um facto que aquela entidade vincou de forma clara que, a aplicar-se, a redução do IRS jovem terá efeitos orçamentais que poderão fazer o país regressar, já em 2026, a uma situação deficitária – uma ideia enfatizada pela líder parlamentar socialista Alexandra Leitão durante o debate televisivo na RTP e negada por Hugo Soares, o seu interlocutor.