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“Hospitais privados só contam 4% na despesa do Estado com Saúde”, destaca-se nas redes sociais

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O que está em causa?
De acordo com uma publicação supostamente baseada na Conta Satélite do Instituto Nacional de Estatística (INE) que "entrega relatório onde demonstra o estado" do Serviço Nacional de Saúde (SNS), ter-se-á apurado que "hospitais privados só contam 4% na despesa do Estado com Saúde" e "mais de 70% dos custos do SNS são afetos diretamente aos prestadores públicos". Respondendo à solicitação de leitores, o Polígrafo verifica.

“Conta Satélite do INE entrega relatório onde demonstra o estado do SNS. Hospitais privados só contam 4% na despesa do Estado com Saúde. Mais de 70% dos custos do SNS são afetos diretamente aos prestadores públicos. E 13% respeitam [a] comparticipação de medicamentos de ambulatório”, lê-se num post de 14 de julho no Facebook, por entre outras publicações (em diversas redes sociais) que apontam no mesmo sentido relativamente à despesa com os hospitais privados.

“O SNS encontra-se neste estado, mesmo tendo em conta que cada vez mais portugueses têm seguro de saúde privado. Alguém envie o relatório para os betos do Bloco [de Esquerda], para os comunistas e para a ministra da Saúde que gosta de ouvir A Internacional (hino da CGTP) quando está irritada (agora imagine como se sentem os portugueses cada vez que a vêem na televisão)”, acrescenta-se no mesmo texto.

De facto, no dia 1 de julho, o INE publicou um boletim com os principais resultados da Conta Satélite da Saúde (CSS) para o período 2019-2021, salientando que “em 2021, a despesa corrente em saúde cresceu 12,2%, atingindo 11,2% do PIB (mais 0,7 p.p. do que em 2020), o nível mais elevado da série disponível iniciada em 2000. A manutenção da situação pandémica e a recuperação da atividade assistencial dos prestadores contribuíram para o aumento significativo da despesa corrente pública (+11,0%) e privada (+14,7%)”.

Quanto ao ano de 2020, “a despesa corrente aumentou 3,5% totalizando 21.107,9 milhões de euros. O incremento da despesa reflete os efeitos opostos de um aumento da despesa pública e da contração da despesa privada devido às medidas restritivas adotadas para conter a pandemia de Covid-19. Em 2020 e 2021, a despesa corrente em saúde continuou a crescer, em termos nominais, a um ritmo muito superior ao do PIB (+10,2 p.p. em 2020 e +6,6 p.p. em 2021)”.

No mesmo documento informa-se que “em 2020, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e os Serviços Regionais de Saúde das Regiões Autónomas (SRS) aumentaram o financiamento aos hospitais públicos (+14,7%) e aos prestadores públicos de cuidados de saúde em ambulatórios (+10,5%) para suportar o aumento dos custos com o pessoal e com o consumo intermédio destes prestadores. Nesse ano, 70,4% (+3,2 p.p. que em 2019) da despesa do SNS e SRS destinou-se a esses prestadores. Em sentido oposto evoluiu a despesa com hospitais privados (-18,7%) e com prestadores privados de cuidados em ambulatório (-5,7%), devido sobretudo à diminuição dos encargos com os hospitais com Contrato de Parceria Público-Privada (PPP) e com as entidades convencionadas”.

Importa aqui referir que a transferência da gestão do Hospital de Braga para o SNS ocorreu no final de agosto de 2019.

Mas de onde é que vem a referida percentagem de 4%? Nos Quadros anexados ao boletim do INE, mais precisamente no “Quadro 5 – Despesa corrente do Serviço Nacional e Regional de Saúde em saúde por prestador de cuidados de saúde (2000-2020Po)”, verificamos que no ano de 2020 (último disponível e ainda com dados provisórios), de um total de 7.449.345 euros de despesa com hospitais, 6.935.364 euros correspondem aos hospitais públicos e 513.981 euros correspondem aos hospitais privados.

Ora, no “Quadro 3 – Despesa corrente em saúde por agentes financiadores (2000-2021Pe)” está registada uma despesa total do Serviço Nacional e Regional de Saúde, em 2020, de 11.895.553 euros. Pelo que os 513.981 euros de despesa com hospitais privados representam cerca de 4,3% do valor total de despesa do Serviço Nacional e Regional de Saúde em 2020.

Apesar da ligeira diferença na percentagem, classificamos a informação como verdadeira. Mas há que ter em conta alguns detalhes que resultam de uma análise mais rigorosa dos dados do INE.

Desde logo o facto de a “despesa do Estado com Saúde” não se resumir à despesa do Serviço Nacional e Regional de Saúde. Na categoria mais geral de Administrações Públicas, englobando os subsistemas de saúde públicos (obrigatórios e voluntários), outras unidades da Administração Pública e os Fundos de Segurança Social, além do Serviço Nacional e Regional de Saúde, está inscrita uma despesa total de 14.100.610 euros em 2020. Pelo que os 513.981 euros de despesa com hospitais privados representam cerca de 3,6% do valor total de despesa das Administrações Públicas.

Mais, na despesa corrente do Serviço Nacional e Regional de Saúde, além dos hospitais, também há que ter em atenção os prestadores (públicos e privados) de cuidados de saúde em ambulatório. No que respeita aos prestadores privados, a despesa registada em 2020 cifrou-se em 524.697 euros. Somada à dos hospitais privados atinge o valor de 1.038.678 euros, o que corresponde a cerca de 8,7% da despesa total do Serviço Nacional e Regional de Saúde, ou a cerca de 7,4% da despesa do total das Administrações Públicas, em saúde, no ano de 2020.

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Avaliação do Polígrafo:

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