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Há um “consenso” no Parlamento Europeu para não eleger deputados da extrema-direita como vice-presidentes?

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
A previsível rejeição do candidato escolhido pelo Chega para um dos quatro cargos de vice-presidente da Assembleia da República continua a dar que falar nas redes sociais. Numa publicação no Facebook aponta-se para o exemplo do Parlamento Europeu, onde supostamente "há um consenso entre os vários grupos políticos de que não são elegíveis deputados cujo partido se integre no Grupo Identidade e Democracia (extrema-direita)" para tais cargos. O Polígrafo falou com José Manuel Fernandes (PSD) e Marisa Matias (BE), eurodeputados portugueses.

“Anda por aí uma polémica sobre a questão da eleição de um vice-presidente do Chega para a Assembleia da República. Em primeiro lugar, não há direitos automáticos. Os deputados que ocupam a vice-presidência são eleitos e, como tal, dependem de uma maioria. E essa maioria depende de partidos e pessoas”, começa por escrever a autora do texto, datado de 2 de fevereiro, que está a ser partilhado no Facebook.

“No caso do Parlamento Europeu há um consenso entre os vários grupos políticos de que não são elegíveis deputados cujo partido se integre no grupo Identidade e Democracia (extrema-direita), onde estão partidos irmãos do Chega como a Lega (Itália) ou o RN de Marine Le Pen (França). Ou seja, no Parlamento Europeu existe essa prática”, sublinha.

Existe mesmo esse “consenso” no Parlamento Europeu?

De facto, os eurodeputados e partidos de extrema-direita têm sido sempre excluídos dos cargos de presidente e vice-presidentes (são 14 no total) do Parlamento Europeu, assim como das respetivas comissões. Essa exclusão não está formalmente inscrita nos regulamentos do Parlamento Europeu mas tem sido essa a prática recorrente.

Ao Polígrafo, a eurodeputada Marisa Matias (BE) confirma que “esse acordo foi feito no início do mandato, acho que já existia no mandato anterior. Nunca tivemos vice-presidentes do Parlamento Europeu, nem presidentes de comissões, nem vice-presidentes de comissões, da extrema-direita. É com base nesse acordo. Segundo o método de Hondt, eles têm direito, como é evidente, porque são um dos maiores grupos e teriam direito a vários lugares. E o acordo informal que é existe é esse”.

“Não podemos confirmar em termos de votos porque são sempre secretos, mas a verdade são os factos: até hoje, com vários candidatos e lugares disponíveis, nunca tivemos um candidato da extrema-direita nessas funções. Todos os que vão a votos, nenhum é eleito. É um acordo entre as várias famílias políticas e tem sido maioritário”, esclarece.

Na qualidade de terceiro maior grupo parlamentar, o partido Chega anunciou a escolha do recém-eleito deputado Diogo Pacheco de Amorim para candidato a uma das quatro vice-presidências da Assembleia da República. Mas as reações dos demais partidos fazem antever que esse nome não será aprovado por uma necessária maioria absoluta de deputados. A confirmar-se, a rejeição do candidato será um acontecimento inédito na História da democracia portuguesa?

Questionada sobre a hipótese de, em Portugal, o partido Chega chegar à vice-presidência da Assembleia da República, a eurodeputada bloquista considera que têm existido “posições contraditórias a esse respeito. No Parlamento Europeu ou na Alemanha, o acordo para esse ‘cordão sanitário‘ tem contado com o apoio dos maiores grupos parlamentares. Em Portugal, parece-me que não há essa disponibilidade por parte do líder do PSD. Mas esta questão não é apenas burocrática nem matemática de representação, como tem sido colocada pelo presidente do PSD, a questão é democrática. O ‘cordão sanitário’ tem a ver com isso: uma proteção dos valores democráticos“.

Também o eurodeputado José Manuel Fernandes (PSD) confirma ao Polígrafo a prática desse acordo informal: “Não existe uma regra e o voto é de cada deputado, mas tem acontecido esse entendimento e a prova é o que aconteceu há dois meses e nas várias eleições para os presidentes e vice-presidentes das comissões.”

Sou testemunha disso, aconteceu ainda este mês, na eleição dos membros das comissões. Nas várias comissões e na eleição, que nesse caso é uninominal, aconteceu essa situação, onde os elementos de extrema-direita, do Identidade e Democracia, não foram eleitos“, reforça.

Tal como é referido na publicação sob análise, também é verdade que, na Alemanha, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) tenta a eleição de um vice-presidente no Bundestag desde 2017, mas nunca conseguiu. No Parlamento alemão, aliás, os partidos alteraram as regras para evitar que fosse um deputado da AfD a abrir a primeira sessão parlamentar, por ser o mais velho (Alterspräsident). Em 2017, a sessão foi aberta pelo deputado mais antigo, Hermann Otto Solms, do Partido Democrático Liberal (FDP), para evitar que a distinção fosse para o deputado da AfD, o polémico Wilhelm von Gottberg.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:

Verdadeiro: as principais alegações do conteúdo são factualmente precisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Verdadeiro” ou “Maioritariamente Verdadeiro” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:

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