A imagem tornou-se viral no Reddit, tendo chegado depois ao Twitter e ao Facebook: um apartamento para arrendar no Cacém, concelho de Sintra, com tipologia T2, por 800 euros/mês; e um senhorio que exigia o pagamento antecipado de 12 meses de renda, perfazendo um valor total de 9.600 euros, sem cauções.
Confrontado com a ilegalidade do que exigia, o senhorio respondeu ao suposto interessado: “Há pessoas que não pagam as rendas, então o que está a ser feito é: as pessoas pedem um empréstimo, pagam a renda toda e ficam a pagar o empréstimo como bem entenderem.”
O anúncio em causa deixou de estar disponível, mas os casos multiplicam-se. O Polígrafo foi à procura de apartamentos com condições que escapam à lei. Proteger os proprietários é prioridade; fugir à lei é o mal menor. Num dos anúncios, um T2 na cooperativa dos Arquitetos, no Porto, a entrada totalizava 25.200 euros. Mais uma caução, 27.300 euros.
Outro arrendamento, desta vez em Vila Nova de Gaia, pede uma renda mensal de dois mil euros para um apartamento de tipologia T1. Condições de arrendamento para inquilino sem fiador: 12 rendas mais 1 caução. Valor total de entrada: 26 mil euros. Afinal, o que leva um proprietário, ou até um consultor, a contornar a legislação desta forma? É a lei que não é clara o suficiente? Ou as consequências que quase não existem?
Quanto é obrigatório por lei pagar ao senhorio?
Artigo 1.076º (Antecipação de rendas) do Código Civil: o pagamento da renda pode ser antecipado, havendo acordo escrito, por período não superior a dois meses. As partes podem caucionar, por qualquer das formas legalmente previstas, o cumprimento das obrigações respetivas, até ao valor correspondente a duas rendas.
Conhecido o método de arrendamento, porém, as rendas a pagar ao senhorio no momento da celebração do contrato podem dobrar: o Polígrafo falou com José Raimundo, associado sénior da Abreu Advogados e especialista em Direito Imobiliário, que admite não conhecer consequências práticas para os proprietários que cometam ilegalidades deste tipo. Mas primeiro: quantas rendas é que o legislador permite, afinal, cumular?
“De acordo com o que está agora em vigor, há aqui de facto uma limitação no que diz respeito ao pagamento da renda antecipada, que passou de três meses para dois. Em termos práticos, com a celebração do contrato, e atendendo à regra supletiva que temos na lei – com a celebração do contrato nós pagamos a renda desse mês e a do mês seguinte, que se vence antecipadamente – teremos sempre que pagar duas rendas”, explica José Raimundo.
Além desses dois pagamentos, quantos é que nos podem ser exigidos? Antes de mais, é necessário haver “acordo entre as partes”. Sem ele, nada feito. Depois disso, “a lei vem limitar a dois meses, ou seja, em termos práticos, num contrato celebrado com início em janeiro, posso exigir a renda vencida de janeiro, a que se vence antecipadamente em fevereiro, na data de celebração do contrato, e, a essas, posso fazer acrescer mais duas, ou seja, de março e abril: quatro meses de renda”. Qualquer antecipação de renda feita além deste limite “é claramente ilegal”, a lei é imperativa, considera o especialista.
Quais são as consequências práticas para quem não cumpre esta lei?
“Consequências práticas não conheço nem nunca vi nenhumas”, confessa o advogado. “Há violação de uma norma, mas essa violação decorre de um acordo entre as partes e, portanto, nenhuma das duas vai invocar essa situação. Ou seja, acaba por não ter consequências”.
“No contrato de arrendamento, por norma, a participação que é feita obrigatoriamente é à Autoridade Tributária e, por regra, a preocupação da AT é apenas e só cobrar o Imposto de Selo que incide sobre o valor da renda acordado. Portanto, não vai aferir esse tipo de situações”, conclui o advogado especialista em Direito Imobiliário.
__________________________
Avaliação do Polígrafo: