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Há “cada vez mais estudos” que “provam que o SARS-CoV-2 não é um vírus novo”?

Coronavírus
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Está a circular um artigo nas redes sociais no qual se afirma que o novo coronavírus SARS-CoV-2 não é "novo". O texto fundamenta as alegações com um estudo científico no qual se alega a deteção de partículas virais de SARS-CoV-2 em águas residuais em Barcelona, Espanha, no ano de 2019. Verificação de factos.

“Cada vez mais estudos provam que o SARS-CoV-2 não é um vírus novo. Um estudo encontrou o vírus SARS-CoV-2 em Barcelona em março de 2019″, destaca-se no texto da publicação, questionando logo a seguir: “Como é que se explica que este ‘temível’ vírus tenha passado todo o ano de 2019 entre nós e não tenha causado uma pandemia mortal?”

Confirma-se que há “cada vez mais estudos” que “provam que o SARS-CoV-2 não é um vírus novo”?

De facto, um dos estudos citados na publicação aponta para a existência de vestígios do novo coronavírus em águas residuais da cidade de Barcelona, numa amostra datada de 19 de março de 2019. Contudo, importa ressalvar que o estudo não foi publicado nem revisto por pares.

João Júlio Cerqueira, médico especialista de Medicina Geral e Familiar e criador da página Scimed, explica que “os investigadores encontraram evidências do vírus a 15 de janeiro de 2020, 41 dias antes da declaração oficial do primeiro caso em 25 de fevereiro de 2020 [em Barcelona]. Todas as amostras anteriores a esta data foram negativas, exceto uma amostra de 12 de março de 2019, que deu um resultado positivo no teste de PCR [teste de biologia molecular que permite detetar componentes do vírus] para coronavírus.”

“Nos testes de coronavírus, os cientistas normalmente fazem a triagem de mais de um gene. Nesse caso, investigadores testaram três. Eles tiveram um resultado positivo para a amostra de março de 2019 em um dos três genes testados – o gene RdRp. Eles rastrearam duas regiões desse gene e ambas foram detectadas apenas por volta do 39º ciclo de amplificação”, sublinha o especialista. Quanto maior o número de amplificações (cujo objetivo é o aumento da quantidade de DNA/RNA presente numa amostra), os testes de PCR tornam-se menos específicos e dão azo a um maior número de falsos-positivos.

“Existem várias explicações para este resultado positivo. Uma é que o SARS-CoV-2 está presente no esgoto em um nível muito baixo. Outra é que a reação do teste foi acidentalmente contaminada com SARS-CoV-2 no laboratório. Outra explicação é que há outro RNA ou DNA na amostra que se assemelha ao local de teste o suficiente para dar um resultado positivo no 39º ciclo de amplificação”, afirma.

“Existem várias explicações para este resultado positivo. Uma é que o SARS-CoV-2 está presente no esgoto em um nível muito baixo. Outra é que a reação do teste foi acidentalmente contaminada com SARS-CoV-2 no laboratório. Outra explicação é que há outro RNA ou DNA na amostra que se assemelha ao local de teste o suficiente para dar um resultado positivo no 39º ciclo de amplificação”, afirma.

“Os investigadores referem que não têm mais amostras para replicar o estudo, portanto não saberemos se foi um falso-positivo”, refere o médico. “O que sabemos é que os resultados não são consistentes com os dados epidemiológicos que temos sobre o vírus, o que tira força à possibilidade do resultado ser real. Para já esse resultado representa um completo outlier (valor atípico) de todo o conhecimento que temos sobre a origem e propagação do vírus e enquanto o artigo não for publicado numa revista científica”, destaca.

De acordo com o especialista, o vírus é novo na medida em que “a sua genética e capacidade de infectar humanos é de surgimento recente. Essa genética poderá ter surgido por recombinação de um coronavírus presente nos morcegos com um coronavírus presente no pangolim, levando a um novo vírus capaz de nos infetar”.

De acordo com o especialista, o vírus é novo na medida em que “a sua genética e capacidade de infectar humanos é de surgimento recente. Essa genética poderá ter surgido por recombinação de um coronavírus presente nos morcegos com um coronavírus presente no pangolim, levando a um novo vírus capaz de nos infetar”.

Cerqueira destaca porém que não se sabe exatamente quando começou a transmissão humana: “O primeiro caso detetado até agora na China foi a 17 de novembro. Portanto, é possível que o vírus tenha começado a propagar-se antes de começar a ser detectado oficialmente em outros países, podendo ter sido confundido com gripe ou simples constipações. Para já, essa é a hipótese mais provável”.

“A sua origem nos morcegos também continua a ser a hipótese mais provável. Continua a ser possível que o pangolim tenha tido intervenção neste processo, principalmente na capacidade do vírus se transmitir aos humanos, já que a proteína spike do SARS-CoV-2 foi detetada no pangolim”, conclui.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebookeste conteúdo é:

Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente Falso” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafoeste conteúdo é:

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