"Como não defendo saídas unilaterais da zona euro, nem rasgar as vestes e dizer que não pagamos, acho que o problema deve ser resolvido por todos." As palavras são de João Galamba, o agora ministro das Infraestruturas de António Costa. Foram proferidas em fevereiro de 2014, numa entrevista ao "Dinheiro Vivo", e visam a possibilidade de reestruturação da dívida pública portuguesa, que Galamba admitia.

"Qualquer pessoa com o mínimo de senso olhará para o nosso stock de dívida, para o nível de juros que pagamos, para a inflação que temos e para o crescimento potencial da economia, para o investimento que caiu 30%, para o facto de termos perdido 200 mil pessoas para a emigração e concluirá que tudo isto tem influência no PIB potencial, na capacidade de o país gerar riqueza", destacava João Galamba, então deputado pelo PS à Assembleia da República. O "mais duro" da bancada, segundo o mesmo jornal.

Estávamos em 2014: no primeiro trimestre desse ano, a dívida pública atingia um valor recorde de 135,2% do PIB (entretanto superado no primeiro trimestre de 2021, em contexto de pandemia de Covid-19, quando alcançou os 138,1%). No trimestre anterior, este indicador já tinha atingido os 131,4% do PIB. Era com base nesse montante que Galamba falava: "Olhando para o stock de dívida, para a redução do PIB potencial, para uma situação de deflação, acho que a dívida hoje é muito mais insustentável do que era há três anos."

"Há três anos", em 2010 ou 2011, a dívida não era só mais "sustentável". Era também muito, mas muito mais baixa: representou entre 90% (no primeiro trimestre de 2010) a 116% do PIB (no terceiro trimestre de 2011), meses depois da demissão de José Sócrates, em março de 2011, sob a iminência de uma "bancarrota" do Estado português que acabou por ser evitada através do pedido de resgate financeiro à troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional).

A dívida era agora (em 2014) "mais difícil de pagar". Aliás, nas palavras de Galamba, "impagável", um termo que fazia sucesso à esquerda do PS (artigo da CDU - legislativas de 2015). "Podemos espatifar a economia, cortar rendimento às pessoas, aumentar o desemprego e a emigração, mas se cuidarmos dos bancos tudo se vai recompor. Ora não acontece isso, problemas na economia afetam os bancos. Quando tentamos reduzir o défice, afetamos a economia e o balanço dos bancos e, portanto, estamos aqui numa espiral negativa", afirmava o então deputado.

O "sim" à reestruturação tinha riscos reputacionais, mas não na opinião de Galamba: "Há um stock de dívida pública e de dívida privada que resulta de uma união monetária disfuncional que promoveu a acumulação destes desequilíbrios. É um problema europeu. Como não defendo saídas unilaterais da zona euro, nem rasgar as vestes e dizer que não pagamos, acho que o problema deve ser resolvido por todos. Pode ser por compra de dívida, de monetização de dívida por parte do BCE, pode ser por reestruturação."

Galamba assumia "problemas de estabilidade" nesta última opção: "Porque causa perdas, em princípio aos bancos europeus, que terão de ser recapitalizados, e o problema volta por portas travessas. Agora, uma coisa é certa, a dívida é insustentável e tem de ser assumida por todos e lidada por todos. A modalidade que escolhemos para reduzir o encargos da dívida em cada país, isso é assunto para debate futuro. Agora que ela é impagável e, se quisermos, que é um enorme entrave ao crescimento económico, disso não tenho a menor dúvida."

Quase uma década depois, já ministro, Galamba é mais de "contas certas": as do Governo, as suas e as de Marcelo Rebelo de Sousa. No encerramento do debate na generalidade do Orçamento do Estado para 2024, o ministro das Infraestruturas citou o Presidente da República para afirmar que a proposta "segue a única estratégia possível".

"Pela primeira vez desde 2009, as previsões colocam a dívida pública portuguesa abaixo dos 100% do PIB. É mais uma prova clara e inequívoca do compromisso deste Governo com as contas certas e com a responsabilidade orçamental, bem como o reconhecimento - interno e externo - da credibilidade desse compromisso e das políticas que têm sido implementadas", destacou o membro do Governo.

Galamba considerou ainda "importante" reforçar a ideia de que "se não tivéssemos feito este esforço de redução da dívida e nos mantivéssemos no nível de 2015, isso significava que teríamos um encargo adicional com juros de 2.300 milhões de euros em cada orçamento, obrigando cada português a pagar mais 230 euros por ano", defendendo a redução do défice.

"Esta poupança é o que nos permite aplicar medidas como o aumento das pensões e a redução do IRS e, por isso, era importante que os partidos à esquerda e à direita explicassem aos portugueses como iriam implementar as medidas que apregoam, sem colocar em causa o futuro de todos nós", finalizou.

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