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Fundador da Gestapo disse nos julgamentos de Nuremberga que “para escravizar as pessoas” basta “assustá-las”?

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Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Em várias publicações recentes nas redes sociais alega-se que Hermann Göring, ao testemunhar no Tribunal de Nuremberga, há cerca de 75 anos, terá dito que "a única coisa que precisa de ser feita para escravizar as pessoas é assustá-las". Mais, "você pode fazê-lo num regime nazista, socialista, comunista, numa monarquia e até numa democracia". Verificação de factos.

A fotografia do fundador da Gestapo e comandante-chefe da Força Aérea da Alemanha Nazista, Hermann Göring, é acompanhada por um suposto excerto do depoimento de um dos mais altos funcionários do regime liderado por Adolf Hitler durante os julgamentos de Nuremberga (1945-1946).

De acordo com as publicações em causa, todas com a mesma mensagem, questionado sobre “como conseguiste que o povo alemão aceitasse tudo isto”, Göring terá respondido da seguinte forma: “Foi fácil, não tem nada a ver com o nazismo, tem a ver com a natureza humana. Você pode fazê-lo num regime nazista, socialista, comunista, numa monarquia e até numa democracia. A única coisa que precisa de ser feita para escravizar as pessoas é assustá-las. Se consegues descobrir uma maneira de assustar as pessoas, podes fazê-las fazer o que tu quiseres”.

Goering

A declaração alegadamente proferida por um dos maiores defensores do regime nazista tem sido difundida através de várias publicações nas redes sociais, em diferentes línguas, desde há cerca de dois meses. Uma das partilhas foi feita por Eduardo Bolsonaro, filho do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, no Twitter. No caso desta publicação, a fotografia de Göring foi substituída pela de uma mulher com máscara e viseira enquanto conduz um automóvel.

Bolsonaro Goering

A citação de Göring é verdadeira ou falsa?

Um dos 22 principais criminosos de guerra julgados no Tribunal Militar Internacional de Nuremberga, Göring depôs entre os dias 13 e 22 de março de 1946. Como explica a “AFP Checamos” em artigo de verificação de factos, a transcrição das declarações está arquivada na biblioteca alemã Zeno e na página da Faculdade de Direito da Universidade do Missouri, nos EUA. Os documentos históricos, em inglês e alemão, não apresentam qualquer registo das frases difundidas nas redes sociais.

No entanto, os jornalistas da AFP na Polónia detectaram uma declaração semelhante de Göring no livro “The Nuremberg Journal” (“O Diário de Nuremberga”) de Gustave Gilbert, publicado em 1947. A obra do psicólogo norte-americano contém entrevistas com todos os acusados e resumos dos julgamentos.

A conversa entre psicólogo e o dirigente nazista ocorreu no dia 18 de abril de 1946, tendo Göring defendido que, para levar o povo a apoiar uma guerra, bastaria que os líderes dissessem aos cidadãos “que estavam a ser atacados e denunciar os pacifistas por falta de patriotismo e por exporem o país ao perigo”. De resto, garantiu que este método “funciona de igual forma em qualquer país“. 

“Naturalmente, os cidadãos comuns não querem a guerra, nem na Rússia, nem na Inglaterra, nem nos EUA, nem na Alemanha. Mas, no final de contas, são os líderes dos países que determinam a política“, afirmou Göring, considerando ser “simples” unir as pessoas em torno dessa política, “seja numa democracia, numa ditadura fascista, num sistema parlamentar ou numa ditadura comunista”.

Quando Gustave Gilbert defendeu que há uma diferença entre a democracia e os outros regimes, porque esta permite aos cidadãos elegerem os seus representantes, Göring respondeu com a referida frase: “As pessoas podem sempre ser levadas a defender os seus líderes. Isso é fácil. Basta dizer-lhes que estão a ser atacados e denunciar os pacifistas por falta de patriotismo e por exporem o país ao perigo. Este princípio funciona de igual forma em qualquer país”.

A resposta de Göring a Gilbert tem algumas semelhanças com a citação difundida nas redes sociais, mas o fundador da Gestapo falava sobre o apoio das populações às guerras e não há qualquer referência a uma “escravização das pessoas” através do medo. A citação é em grande parte apócrifa e está descontextualizada.

Göring foi condenado à morte por enforcamento, mas acabou por se suicidar a 15 de outubro de 1946, com uma ampola de cianeto, poucas horas antes da execução. 

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebookeste conteúdo é:

Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente Falso” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafoeste conteúdo é:

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