“No mesmo dia, à mesma hora, uns anos depois. Cá estou”. Esta foi a frase escolhida pela página do movimento “Figueira a Primeira” no Facebook, que conta já com mais de 3.000 seguidores, para destacar a oficialização da candidatura de Pedro Santana Lopes à presidência da Câmara Municipal da Figueira da Foz (CMFF). Há precisamente 24 anos, a 9 de maio de 1997, Santana Lopes, então ainda filiado no PSD, anunciou a candidatura à mesma autarquia. Seguiram-se quatro anos de mandato como presidente da CMFF, entre 1997 e 2001, que deseja agora repetir.
Ao longo dos últimos dois meses, porém, a página do movimento “Figueira a Primeira” (base da candidatura do ex-líder do PSD e do Aliança) já estava a difundir conteúdos a um ritmo diário, com destaque para estudos de opinião que conferiam larga vantagem nas intenções de voto em eleições autárquicas para o ainda proto-candidato.
Os estudos de opinião foram supostamente realizados pelos organizadores do movimento. Numa das publicações detectadas pelo Polígrafo indicava-se que era “um trabalhado meramente orientador” e que não pretendia “ser uma sondagem, tal como prevista na lei“. No entanto, salientava-se que o resultado era “bastante revelador, até pela constância, dia após dia”.
Por carecerem de fonte, essas sondagens foram denunciadas como falsas e/ou ilegais. Questionados pelo Polígrafo, os responsáveis pela página apressaram-se a apagar tais publicações.

O Polígrafo também questionou a Comissão Nacional de Eleições (CNE) sobre estas denúncias, a qual respondeu que “a situação enquadra-se no âmbito da liberdade de ação, propaganda e expressão de qualquer cidadão em qualquer momento”.
“Não estão abrangidos pelas disposições que constam da Lei n.º 10/2000 [Regime jurídico da publicação ou difusão de sondagens e inquéritos de opinião] quaisquer estudos ou outras ações que não se apresentam ou não apresentem características que permitam qualificá-los como sondagens ou inquéritos de opinião“, assegura a CNE.
Ora, consultando a referida lei verificamos que o objeto de estudo, tal como foi divulgado pela página em causa, integra-se nos termos da alínea c) do ponto 1 do Artigo 1.º que passamos a transcrever: “Associações políticas ou partidos políticos, designadamente a sua constituição, estatutos, denominação, sigla e símbolo, organização interna, funcionamento, exercício de direitos pelos seus associados e a respectiva dissolução ou extinção, bem como, consoante os casos, a escolha, actuação e demissão ou exoneração dos titulares dos seus órgãos centrais e locais”.
Contactada pelo Polígrafo, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) optou por não se pronunciar sobre o caso em concreto, “pois tal exige um conjunto de procedimentos formais, nomeadamente um pedido de esclarecimentos às partes interessadas, que não são possíveis de realizar em tão curto espaço de tempo e sem uma formalização de queixa“.
Relativamente à matéria de sondagens e inquéritos de opinião, a ERC esclareceu que “a realização e publicitação de sondagens e inquéritos de opinião deve sempre obedecer ao consignado na Lei n.º 10/2000 (denominada como ‘Lei das Sondagens’) e na Portaria n.º 118/2001 (alterada pela Portaria n.º 731/2001)”.
Segundo a ERC, a Lei das Sondagens (LS) distingue dois tipos de estudos de opinião: “as sondagens, cuja amostra deve ser entendida como representativa de um determinado universo, possibilitando, portanto, a correlativa extrapolação de resultados e os inquéritos, cujos resultados não podem ser interpretados no sentido de se considerarem representativos de um universo mais vasto que o do conjunto das pessoas inquiridas”.
De acordo com os posts na página do movimento “Figueira a Primeira” foram 1.751 os inquiridos “com opção manifestada ou expressa”, não indicando porém o método de recolha de dados junto do universo estatístico.
Na resposta ao Polígrafo, a ERC sublinhou também que “todos os estudos de opinião com objeto subsumível na LS têm de ser classificados de forma clara e precisa ou como sondagens de opinião ou como inquéritos de opinião, não havendo lugar a ambiguidades ou a conceitos alternativos“.

No Artigo 3.º da LS estabelece-se que as sondagens que “venham a ser alvo de divulgação pública, mesmo que não tenham sido inicialmente produzidas com tal finalidade, só podem ser realizadas por entidades credenciadas para o efeito pela ERC, sempre que o seu objeto se subsuma no n.º 1 do Artigo 1.º da LS, como é o caso dos estudos de opinião relativos a intenções de voto para eleições autárquicas”.
Os estudos de opinião divulgados na página do movimento foram utilizados, por exemplo, num artigo do jornal “Diário de Notícias”, publicado a 4 de maio, com o seguinte título: “Santana à frente na Figueira tem em marcha a candidatura e está a deixar PSD nervoso“. No artigo informava-se que “o movimento de cidadãos tem estado, desde 6 de março, a fazer estudos de opinião junto dos figueirenses para saber as intenções de voto e, segundo o ‘Diário de Notícias’ apurou, Santana Lopes aparece sempre em primeiro lugar“.
Instada a pronunciar-se sobre a divulgação do estudo num orgão de comunicação social, a ERC respondeu – não mencionando o caso em concreto – que a publicação de sondagens em órgãos de comunicação social “deve ser sempre acompanhada de um conjunto de elementos obrigatórios (entidade responsável, cliente, universo, número de inquiridos, repartição geográfica, data do trabalho de campo, entre outros). De realçar que a divulgação de sondagens apenas é permitida após o seu depósito prévio na ERC (de pelo menos 30 minutos, quando não se trate de sondagem em dia de ato eleitoral ou referendário) nos termos do Artigo 5.º da LS”.
Ainda assim, “a realização de inquéritos dispensa o requisito da credenciação, independentemente do objeto versado, mas é imposta na sua divulgação, pelo Artigo 8.º da LS, a inclusão de uma advertência expressa e claramente visível ou audível de que os resultados obtidos não podem ser extrapolados para um universo maior do que o grupo questionado”. Tal não se verificou. Nos casos em que a atualidade dos dados recolhidos pelo inquéritos de opinião não seja evidente, “devem também ser indicadas as datas em que os trabalhos de recolha da informação decorreram”, concluiu a ERC.
De notar que, depois de o Polígrafo ter entrado em contacto com a página do movimento, no sentido de perceber se estes estudos de opinião teriam sido realizados dentro dos trâmites legais que aqui enunciamos, todas as publicações que revelavam novos dados e percentagens foram eliminadas, não nos tendo sido prestado qualquer esclarecimento por parte do movimento.
__________________________________________
Avaliação do Polígrafo: