“Confunde-se testes positivos com pessoas infetadas. Uma pessoa infetada é alguém que apresenta uma sintomatologia de uma infeção, seja ela qual for. Não há infetados assintomáticos“, declarou Fernando Nobre na referida entrevista.
Perante a surpresa do entrevistador, Nobre desenvolveu a sua teoria: “O doente quando vai à consulta do médico, ou está a mentir ou o médico é incompetente e não descobre um sintoma que pode estar escondido. [….] A Covid-19 tem necessariamente de apresentar uma sintomatologia. Não há doentes com Covid-19 sem sintomatologia. Está hoje demonstrado por publicações muito sérias nas melhores revistas de medicina que os assintomáticos não transmitem a doença”.
Verdade ou falsidade?
Questionado pelo Polígrafo, Pedro Simas, virologista do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa, explica que “os assintomáticos contagiam porque têm infeção produtiva e fazem disseminação do vírus na saliva“. De acordo com o especialista, é comum na virologia a existência de “infeções que não se traduzem em sinais clínicos visíveis” – levando, portanto, à doença assintomática -, embora isso não signifique “que o vírus não se esteja a replicar” e que “não se produzam partículas virais para o meio exterior através de gotículas”.
“A principal razão para o novo coronavírus ter tanto potencial pandémico é precisamente porque a maioria das infeções não tem qualquer sinal clínico. Mas se se for analisar as células da nasofaringe, o vírus está lá, embora clinicamente isso possa ser impercetível”, sublinha.
Por sua vez, João Júlio Cerqueira, médico de Medicina Geral e Familiar e criador do Projeto “Scimed“, classifica as ideias defendidas por Nobre na entrevista como “pura mentira“, considerando ser “vergonhoso um médico fazer tais declarações”.
E explica, definindo o conceito de portador assintomático: “É uma pessoa infetada que não apresenta qualquer sintoma mas pode infetar outros. Isto acontece numa série de patologias infecciosas como febre tifóide, cólera, tuberculose, poliomielite, mesmo na gripe e, obviamente, com a Covid-19. Podemos estar infetados com o vírus Herpes Simplex, com o vírus Epstein-Barr ou com doenças sexualmente transmissíveis como o HPV [vírus do papiloma humano] e a clamídia, não apresentando qualquer sintoma e infetando outras pessoas”.
Cerqueira salienta ainda que “o mais grave” é a extensão da “sua ignorância a outras patologias como o cancro“, uma vez que se sabe que “alguns cancros apenas dão sintomas em fases avançadas e é por isso que existem os rastreios organizados para os detectar de forma precoce, em fase assintomática“.
E finaliza, remetendo para as conclusões de um artigo da revista científica “Nature”, datado de 18 de novembro e intitulado como “O que dizem os dados sobre as infeções assintomáticas de Covid“, no qual se indica que “as pessoas sem sintomas podem transmitir o vírus“, embora seja “um desafio estimar sua contribuição para os surtos”. De acordo com esse artigo, “uma em cada cinco pessoas infetadas não terá sintomas“.
Na página oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS) informa-se que “com ou sem sintomas, as pessoas infetadas podem ser contagiosas” e que os “dados laboratoriais sugerem que as pessoas infetadas tendem a ser mais infecciosas antes de desenvolverem sintomas e em estágios iniciais da doença”.
Contudo, a OMS admite que “ainda não se sabe quão frequentemente ocorre o contágio por parte de pessoas assintomáticas” e que “é necessária mais investigação”. Também a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, declarou em conferência de imprensa que os casos assintomáticos são um “risco acrescido” de transmissão da Covid-19.
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Atualização: na sequência da publicação deste artigo, Rui Unas, autor do podcast “Maluco Beleza” em que foi transmitida a entrevista a Fernando Nobre, anunciou em publicação no Facebook que decidiu retirar o segmento controverso em que o presidente da AMI afirmou que “não há infetados assintomáticos” e que “os assintomáticos não transmitem o vírus”, referindo-se à pandemia em curso de Covid-19. “Sou um cidadão que tem alguma visibilidade e tenho absoluta noção da responsabilidade que isso acarreta”, justificou Rui Unas.
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Avaliação do Polígrafo: