”Sabiam que o Estado recusa muitas vezes pagar o funeral a crianças que estavam institucionalizadas ‘porque nunca descontaram para a segurança social?’”, escreveu André Ventura no X, numa altura em que se preparava para levar o tema ao parlamento (fê-lo no encerramento do debate na generalidade da proposta de Orçamento do Estado para 2025).
O líder do Chega, no discurso de encerramento da discussão, falou da associação Kastelo, em Matosinhos, que visitou dias antes: “Nesta associação que acompanhava crianças às portas da morte, tomei conhecimento de algo que os vários governos das últimas décadas… o Estado recusa pagar subsídios a crianças que morrem para pagar o funeral, porque nunca pagaram nem descontaram para a segurança social.”
Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, corrigiu Ventura: “O senhor deputado confundiu, provavelmente de propósito para confundir os portugueses, o subsídio de morte e o subsídio de funeral. O subsídio de funeral é uma prestação de concessão única para compensar as despesas efetuadas com funerais de um familiar ou de qualquer outra pessoa, incluindo nados-mortos (…) A ser isto verdade o que senhor fez é do ponto de vista político absolutamente deplorável.”
André Ventura pediu a palavra para refutar a “acusação” de Hugo Soares e citou o site da segurança social, de onde retirou que “o subsídio de funeral das crianças que acabam de falecer é equiparado a quem nunca descontou na vida”.
Desde logo, o discurso de André Ventura foi-se alterando a cada nova intervenção. Primeiro, Ventura apontava casos: “O Estado recusa muitas vezes.”; Depois, passou à generalização: “O Estado recusa pagar subsídios a crianças que morrem para pagar o funeral.”; Por fim, admitiu a existência de um subsídio… mas que considera insuficiente: “O subsídio de funeral das crianças que acabam de falecer é equiparado a quem nunca descontou na vida.”
Foi apenas nesta última intervenção que o líder do Chega foi totalmente verdadeiro. Quer no “tweet” quer no discurso final no plenário, Ventura descontextualizou o papel do Estado neste tipo de situações. Afinal, o que é pago à família de uma criança quando esta morre?
Todos os residentes portugueses que nunca descontaram para a Segurança Social (como é o caso de uma criança), têm direto àquilo a que a Segurança Social chama de “subsídio de funeral”. Esta é uma “prestação de concessão única para compensar as despesas efetuadas com o funeral de um familiar ou de qualquer outra pessoa (incluindo nados-mortos)”.
O valor a ser pago, para quem comprove as despesas com o funeral, é de 254,63 euros e, naturalmente, não cobre na totalidade as despesas com a cerimónia fúnebre. Ainda assim, é suficiente para desmentir as duas primeiras afirmações de André Ventura.
Para quem desconta, o Estado oferece outras opções (mais vantajosas), como é o caso do mecanismo de reembolso das despesas de funeral, que é pago de uma só vez a quem provar ter pago o funeral, independentemente de ser familiar, com um valor das despesas indicadas no recibo até ao limite de três IAS (1.527,78 euros). Este montante não acumula com o subsídio de funeral.
Já o subsídio por morte, no mesmo valor do reembolso das despesas, funciona de forma distinta, já que é pago diretamente aos familiares que tenham ou não arcado com as despesas de um funeral (se o familiar, por exemplo a/o viúva/viúvo não arcou com as despesas do funeral, vai receber a diferença entre o tecto máximo e o valor das despesas).
Em suma, os pais de uma criança falecida residente em Portugal têm direito ao subsídio de funeral, ainda que esse montante não chegue aos 300 euros. André Ventura retirou, assim,a informação do seu contexto real com o objetivo de lhe dar um sentido sem sustentação factual.
O Polígrafo falou com a associação Kastelo, que assegurou que “a lei equipara as crianças a um cidadão que nunca descontou” e que com o montante pago pelo Estado “ninguém consegue pagar um funeral”.
“Durante a nossa existência, e para ajudar os pais, já pagámos diversos funerais de crianças que faleceram porque os pais não tinham hipótese”, acrescenta a mesma fonte oficial.
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Avaliação do Polígrafo: