“A sério? Pagamos 10.000 euros a refugiados e não há dinheiro para o SNS [Serviço Nacional de Saúde], Segurança Social e investimento público em I&D [Investigação & Desenvolvimento] ou simplesmente para manter serviços públicos fundamentais a funcionar para a população portuguesa? Mas o que é que este país está a fazer a si próprio?” Este é apenas um exemplo, por entre muitos outros, de publicações nas redes sociais que exibem uma imagem do título e destaque de uma notícia de jornal.
Mais especificamente do “Diário de Notícias”, na qual se informa: “SEF diz que pagou a todos os refugiados acolhidos em Portugal. O SEF indicou que seguiu as recomendações da auditoria do Tribunal de Contas de 2019, tendo feito o ‘pagamento integral’ de 10.000 euros a cada refugiado acolhido em Portugal no âmbito do programa de reinstalação da União Europeia.
Na imagem realça-se uma frase a tinta vermelha – “o ‘pagamento integral‘ de 10.000 euros a cada refugiado acolhido em Portugal” – que motiva a conclusão de que o Estado português efetua um pagamento direto de 10 mil euros a cada refugiado, em dinheiro, suportado pelos contribuintes portugueses. Além da frase isolada, não há qualquer hiperligação para a notícia em causa, pelo que se depreende que a maior parte das pessoas que partilham a imagem não leram o texto do artigo.
Entre as partilhas com maior impacto, destaque para a do deputado André Ventura, líder do Chega, que difunde a mesma conclusão nas suas páginas nas redes sociais: “Não temos dinheiro para saúde ou para aumentar pensões, mas damos 10.000 euros a cada refugiado que chega a Portugal? Vergonha.”
O que está aqui em causa? Desde logo uma notícia verdadeira, mas que remonta a 2021, na sequência de uma outra notícia do jornal “Público” que revelava na altura que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) – entretanto extinto – “ocultou um milhão de euros que devia ter sido entregue a refugiados”. O SEF não justificava onde estaria parte do valor recebido da Comissão Europeia que se destinava ao acolhimento em Portugal de “pelo menos 409 pessoas a viver em campos de refugiados da Turquia e do Egipto, depois de terem fugido de países como o Iraque, o Afeganistão ou a Síria”.
De acordo com o artigo do “Público”, que deu origem a uma reação do SEF plasmada no artigo do “Diário de Notícias”, o Estado português recebe da Comissão Europeia um valor de 10 mil euros por cada refugiado que acolhe no quadro do Programa de Reinstalação. Um montante que tem origem no orçamento da Comissão Europeia, garantido desde 2016 aos Estados-membros que acolhem refugiados.
No caso de Portugal, o montante era transferido para o SEF que, por sua vez, o encaminhava para o Alto Comissariado para as Migrações (ACM). No entanto, segundo noticiou o “Público”, no período entre 2018 e 2019 o SEF apenas entregou 7.500 dos 10.000 euros ao ACM.
Nesses dois anos foram acolhidas ao abrigo do Programa de Reinstalação em Portugal pelo menos 409 pessoas, logo faltavam 2.500 euros por cada refugiado. Verificou-se então que pelo menos 1.022.500 euros não tinham sido justificados oficialmente.
A notícia motivou um esclarecimento do SEF, enviado à Agência Lusa no mesmo dia, a indicar que foram “recebidos e transferidos 21 milhões de euros, no âmbito do Programa Nacional do Fundo para o Asilo, Migração e Integração (FAMI)”, desde 2014, para o acolhimento de refugiados que estavam na Turquia e no Egipto.
Assegurou também que o financiamento, proveniente da Comissão Europeia, teria sido integralmente alocado “a despesas com seleção e pré-partida, receção e acolhimento, instalação e apoio à integração, bem como despesas administrativas, encargos associados e apoios assegurados pelas entidades de acolhimento, designadamente, habitação e outros apoios pecuniários ou em género para os cidadãos abrangidos”.
Ou seja, esse montante era alocado a várias despesas no processo de reinstalação e não entregue diretamente aos refugiados, ao contrário do que se está a alegar nesta vaga de publicações nas redes sociais.
Mais, essas despesas compreendiam um período de 12 a 18 meses, “a partir da chegada dos 2.827 requerentes e beneficiários de proteção internacional já acolhidos por Portugal, 1.818 dos quais recolocados e 1.009 reinstalados”.
Em 2019, o FAMI foi alvo de uma auditoria de rotina promovida pelo Tribunal de Contas que incidiu sobre o funcionamento do programa de reinstalação e recolocação de refugiados. Sobre essa auditoria, o SEF apontou que “em linha com o protocolo em vigor com o ACM e considerando as recomendações do Tribunal de Contas, procedeu ao pagamento integral devido no valor de 10.000 euros por cada cidadão reinstalado, referente a listagens remetidas pelo ACM e validadas pelo SEF”.
Ainda assim, no dia seguinte a esta nota, o Tribunal de Contas informou não estarem ainda “esclarecidos e implementados” pelo SEF todos os aspetos suscitados na auditoria de 2019.
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Avaliação do Polígrafo: