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Estado pode nacionalizar bens do “Grupo Berardo”?

Economia
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Os cerca de mil milhões de euros de dívidas do "Grupo Berardo" a três bancos - entre os quais a Caixa Geral de Depósitos (CGD) - suscitou a hipótese de nacionalização de alguns dos respetivos bens, como forma de garantir o pagamento desses montantes por liquidar.

As obras de arte propriedade da Associação Coleção Berardo, com cerca de 2.200 unidades, estariam na primeira linha para essa intervenção estatal sobre os bens associados ao empresário madeirense José Berardo. Só o espólio da Coleção Berardo, que integra o Museu Coleção Berardo (localizado no Centro Cultural de Belém, em Lisboa), com 862 peças, está avaliado pela leiloeira Christie’s em 316 milhões de euros (dezembro de 2006). Esta coleção está desde 2006 (com renovação em 2016) sob um contrato de comodato entre a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo e o Ministério da Cultura.

O Estado, pela mão do Governo, optou contudo por outra estratégia. Em 2019, após reuniões com a CGD, BCP e Novo Banco, foi decidida a interposição em tribunal de uma ação de execução sumária, por parte dos três bancos credores, com o objetivo de arrestar as obras pertencentes à Associação Coleção Berardo. O pedido para a apreensão judicial dos bens foi acolhido pelo tribunal em julho desse ano, passando as obras do Museu Berardo a ficar à guarda do Estado

Mas pode o Estado podia nacionalizar os bens de Berardo?

Nacionalizar sem contrapartida pecuniária, muito dificilmente. Esta é a opinião de José González, especialista em Direito Civil, indicando ao Polígrafo que, atendendo à jurisprudência relativa a casos que possam ser considerados similares, “a probabilidade de uma nacionalização se transformar, na prática, numa expropriação, com o pagamento da indemnização devida ao detentor dos bens, era bastante elevada“.

O também advogado e docente universitário recorda que “casos como o da Renault, em França, quando a marca foi nacionalizada por razões de interesse nacional e para penalizá-la por, de alguma forma, ter sido colaboracionista em relação ao regime nazi durante a invasão alemã, não têm paralelo em Portugal“. González sublinha que apenas este tipo de nacionalização, eventualmente, não obrigaria à remuneração dos donos dos bens.

O empresário madeirense José Berardo (ou "Joe", como é mais conhecido) foi detido no dia 29 de junho, em operação da Polícia Judiciária (PJ), por suspeita de fraude à Caixa Geral de Depósitos (CGD). A investigação da PJ começou em 2016 e centra-se "num grupo económico que, entre 2006 e 2009, contratou quatro operações de financiamento com a CGD, no valor de 439 milhões de euros".

Enquanto as expropriações estão submetidas a legislação específica – Lei n.º 168/99, Código das Expropriações -, com critérios para fixar a compensação, as nacionalizações, pelo contrário, não. Há um artigo da Constituição da República Portuguesa que as enquadra (mas onde também estão previstos “critérios de fixação da correspondente indemnização“), mas a cada processo específico de nacionalização corresponde uma lei própria (como nos casos do BPN ou da Efacec).

Em suma, é verdade que o Estado poderia nacionalizar os bens associados a José Berardo, mas a probabilidade de ter que o indemnizar era bastante elevada, convertendo-se na prática numa expropriação.

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Avaliação do Polígrafo:

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