O primeiro jornal português
de Fact-Checking

Escola pode proibir alunos de realizar exames de acesso ao ensino superior com base no vestuário?

Sociedade
O que está em causa?
A notícia de que o Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, proibiu os alunos de usar "calções curtos, decotes excessivos e calçado de praia" através de um aviso enviado por e-mail pela direção da escola gerou discussão nas redes sociais. Com a advertência de que os estudantes poderiam ser impedidos de realizar os exames nacionais a ser destacada em múltiplas publicações, o Polígrafo verifica se esta medida é válida.

Um e-mail enviado pela direção do Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, aos encarregados de educação está a gerar debate nas redes sociais. Em causa o novo código de vestuário assinado pela diretora Maria do Rosário Andorinha que proíbe o uso de “calções curtos, decotes excessivos e calçado de praia” e que, caso a regra não seja cumprida, pode impedir o aluno em causa de realizar os exames de acesso ao ensino superior.

À SIC, a direção argumentou que “as escolas têm autonomia para definir o seu regimento interno” e que a lei obriga o aluno a usar “vestuário adequado”.

Há quem questione se a medida “é legal” e quem afirme, como é o caso da deputada socialista Isabel Moreira, que a proibição presente no regulamento do estabelecimento de ensino “é inconstitucional“, uma vez que “os direitos, liberdades e garantias em causa aplicam-se diretamente” ao caso. O certo é que a proibição gerou polémica e a questão de os alunos poderem ser impedidos de fazer exames nacionais tem sido destacada.

Mas poderá a escola proibir um aluno de realizar os exames nacionais por causa do que tem vestido?

Começando pela legislação invocada pela direção da escola em resposta à SIC, é verdade que, na Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro – que aprova o Estatuto do Aluno e Ética Escolar – é determinado como dever (e não como obrigação) do aluno “apresentar-se com vestuário que se revele adequado, em função da idade, à dignidade do espaço e à especificidade das atividades escolares, no respeito pelas regras estabelecidas na escola”.

Mas, além de não existir a referida obrigação, também uma escola não poderá impedir um aluno de realizar os exames nacionais. Quem o diz é Ricardo Branco, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Lisboa e consultor na Abreu Advogados, que sublinha que “só poderão [impedir] dentro de determinadas circunstâncias e para certas interpretações mais conservadoras da Constituição”.

Ainda que admita algumas interpretações diferentes da sua, o constitucionalista frisa que “as pessoas vestem-se como quiserem” e que “só em casos muito excecionais é que essa liberdade pode ser restringida” e esse é um “princípio geral e mais consensual”.

Ricardo Branco reforça ao Polígrafo que “o prejuízo acarretado pelo bloqueio a uma entrada no exame por causa de uma roupa pode inclusivamente constituir um bloqueio inconstitucional ou desproporcional da liberdade de aprender e de ensinar que está consagrado na Constituição” e, por isso, esta proibição é “ainda mais gravosa” do que a proibição de uso de determinado vestuário, logo “inconstitucional“.

Quanto à possibilidade de um código de vestuário poder ser “inconstitucional”, Ricardo Branco admite que “é uma questão extremamente discutível” ainda que, na sua perspectiva, a resposta seja afirmativa.

O professor de Direito Constitucional dá o exemplo da decisão tomada pelo Tribunal Constitucional, em 1984, quando este “entendeu que não era inconstitucional uma norma do regulamento dos motoristas de táxi que os obrigava a andarem de barba feita” porque “há um direito ao livre desenvolvimento da personalidade – que na altura ainda era implícito, mas hoje já está explícito no artigo 26.º da Constituição – que deveria ser compatibilizado no caso da presença em locais públicos e do serviço público com as expectativas dos outros em termos de decoro e higiene”.

Apesar de assumir que esse exemplo pode ser utilizado por outro constitucionalista com uma opinião contrária como argumento para alegar a constitucionalidade da medida, Ricardo Branco considera, na sua interpretação da Constituição, que “esta norma do regulamento do Liceu Pedro Nunes é hoje em dia inconstitucional”. E explica porquê: “A sociedade evoluiu num sentido pluralista. A Constituição hoje consagra expressamente o direito ao livre desenvolvimento da personalidade desde a revisão constitucional de 1997 e aí há um direito a uma exteriorização através do vestuário como se queira.”

Ricardo Branco explica que as escolas públicas são “locais de pluralismo”, ou seja, “não são organizações de dependência onde possamos impor uma moral, uma linha de gosto ou uma linha de senso”, por isso “não se pode impor normativamente uma linha de vestuário”.

O docente acrescenta que a “escola pode fazer pedagogia junto do aluno, formação cívica para este tipo de questão, mas nunca impor por meio de recomendações ou regras gerais ou abstratas, orientações em termos de vestuário” até porque “se entra num subjetivismo completamente indeterminado” sobre o que é exatamente um “decote excessivo”.

“Uma norma desse tipo, e ainda para mais apelando a conceitos indeterminados, na minha opinião, hoje, em pleno 2024, é uma norma inconstitucional“, conclui o constitucionalista.

______________________________

Avaliação do Polígrafo:

Partilhe este artigo
Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn

Relacionados

Em destaque