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Entidade patronal tem de dar formação aos colaboradores e, caso este benefício não seja assegurado, tais horas devem ser pagas ainda durante a vigência do contrato?

Economia
O que está em causa?
A dúvida surgiu na sequência de um vídeo que se encontra a circular no TikTok, dando conta de que as empresas são obrigadas, por lei, a oferecer 40 horas de formação anuais aos trabalhadores. Será que, se a entidade patronal não assegurar esse cumprimento, tem de pagar as horas correspondentes ao colaborador ainda durante o decurso do vínculo laboral?
© Shutterstock

“Anda a circular uma informação na Internet de que as entidades patronais precisam de dar formação aos seus colaboradores e, caso não seja assegurado esse benefício, precisam de ser pagas as horas”, escreveu um leitor num e-mail enviado ao Polígrafo.

Em causa uma observação que surge na sequência de um vídeo, partilhado no TikTok, onde o protagonista aborda uma questão deixada por um dos seus seguidores, sobre se a empresa onde trabalha tem ou não de pagar as horas de formação não cumpridas.

Nesse vídeo, indica-se que cada colaborador tem “direito a quarenta horas anuais” de formação, as quais devem “dar lugar à emissão de um certificado e ao registo na caderneta individual de competências” para que sejam consideradas. Porém, “a lei permite que a empresa antecipe ou adie em dois anos as horas de formação”, mas se as mesmas não forem cumpridas, transformam-se “em créditos de horas de formação” que “expiram ao final de três anos”.

Alegadamente com base no Código do Trabalho (CT), o protagonista do vídeo conclui: “[A empresa] ou dá as horas de formação ou, quando elas se transformam em crédito de horas de formação, tem de pagar.” No entanto, reforçou, tal deve ser feito “dentro do período legal”, de três anos, fixado para que o colaborador possa exigir “o pagamento dessas horas de formação” não cumpridas.

Perante esta narrativa, o leitor do Polígrafo questionou: “É obrigatório termos formação, é necessário termos comprovativos para essa formação ser válida e, no caso de não termos formação há mais de três anos, podemos exigir o pagamento do equivalente à empresa?” Isto, claro, enquanto ainda se trabalha na empresa. 

Ao Polígrafo, a ACT confirmou que, “nos termos do Código do Trabalho, o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de 40 horas de formação contínua, que podem ser antecipadas até dois anos ou diferidas por dois anos, de acordo com o plano plurianual de formação elaborado pelo empregador”. Assim, o “incumprimento do dever de ministrar formação profissional”, por parte da empresa, “constitui uma infração grave que pode, se o interessado o entender, ser denunciada à ACT”.

Além disso, a “formação ministrada deve preencher os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 131.º do CT​”. Ou seja, ser desenvolvida: “pelo empregador; ou por entidade formadora certificada para o efeito ou; por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ministério competente.” E ainda “dar lugar à emissão de certificado e a registo na Caderneta Individual de Competências nos termos do regime jurídico do Sistema Nacional de Qualificações”.

É ainda de ter em conta que “as horas que o trabalhador tem de dispensa ao trabalho para frequência de aulas e as faltas para prestação de provas de avaliação, ao abrigo do Estatuto de Trabalhador Estudante, contam para as 40 horas de formação anual contínua”. Assim como “também contam a formação em matérias de segurança e saúde no trabalho e as ausências ao trabalho dadas pelo trabalhador no âmbito de processos de reconhecimento, validação e certificação de competências”.

Ou seja, “caso o empregador não assegure ao trabalhador, ao longo de dois anos, as 40 horas de formação anual, o trabalhador fica legitimado a utilizar o crédito de horas, correspondente ao número mínimo de horas de formação anual que não recebeu, para frequência de ações de formação por sua iniciativa”. Sendo que “o crédito de horas para formação que não seja utilizado pelo trabalhador cessa passados três anos sobre a sua constituição”, apontou ainda a ACT, com base no Código do Trabalho.

Portanto, nas situações em que “o empregador não assegure ao trabalhador, ao longo de dois anos, as 40 horas de formação anual, o trabalhador fica legitimado a utilizar o crédito de horas, correspondente ao número mínimo de horas de formação anual que não recebeu, para frequência de ações de formação por sua iniciativa”. Nesse caso, “o trabalhador deve comunicar ao empregador a sua intenção com a antecedência mínima de 10 dias”, tal como previsto nos números 1 e 3 do artigo 132.º do CT.

De notar ainda que “a utilização dos créditos de horas de formação pode ser feita durante o período normal de trabalho e vale como serviço efetivo, conferindo direito a retribuição, o que significa que as horas de frequência da formação não serão descontados na retribuição (salário) do trabalhador”, aponta o artigo 132.º do mesmo código.

Concluindo, “durante o contrato de trabalho, o crédito de horas não confere direito ao pagamento do valor das horas de formação em falta, antes são horas de formação a que o trabalhador tem direito e das quais pode beneficiar respeitando alguns requisitos”. Assim, além “da já referida comunicação ao empregador”, a área da formação deve “ter correspondência com a atividade prestada”, “respeitar a tecnologias de informação e comunicação, segurança e saúde no trabalho” ou “tratar-se de aprendizagem de  língua estrangeira”. 

Porém, “quando o contrato de trabalho termina, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado e ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação”. 

A mesma tese foi validada, em resposta ao Polígrafo, por Magda Canas, especialista em assuntos jurídicos da DECO PROteste, que, citando o Artigo 131.º do Código do Trabalho, destacou que, “em cada ano, o trabalhador tem direito a um mínimo de quarenta horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, tem direito ao número de horas que for proporcional à duração do respetivo contrato”. 

Magda Canas confirmou ainda que “a não concretização da formação contínua devida ao trabalhador confere-lhe um crédito de horas para sua formação” – embora, apesar disso, possa “ocorrer a caducidade deste crédito três anos após a sua não utilização”. 

E concluiu: “No caso de o contrato de trabalho cessar, o trabalhador tem direito a receber compensação pecuniária pelo número de horas de formação que não lhe tenham sido proporcionadas, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação.” Ou seja, nunca durante o decurso do contrato de trabalho.

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Avaliação do Polígrafo:

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