“É como um pacote turístico para vir dar à luz em Portugal que ainda presta aconselhamento jurídico para obtenção da cidadania”, alerta-se num vídeo partilhado no Instagram que denuncia os serviços da Feskov Reproduction Center, uma clínica de fertilidade na Ucrânia.
A publicação refere ainda que esta empresa “oferece pacotes de deslocação, estadia e acompanhamento do parto em Portugal, bem como ajuda especializada para a obtenção da nacionalidade portuguesa”. E que tal só é possível porque “PS e PSD aprovaram alterações à Lei da Nacionalidade que permitem angariar ‘portugueses’ pelo mundo fora”.
As alegações têm fundamento?
Não.
A empresa Feskov Human Reproduction Group dedica-se a serviços como a gestação por substituição (conhecida por barriga de aluguer) e tem, de facto, um pacote disponível que prevê a realização de parto em Portugal.
Contudo, a forma como a história é apresentada não está correta e vem com atraso. Há cerca de dois a três anos, meios de comunicação social como a CNN Portugal, “Observador” e “Diário de Notícias” publicaram artigos sobre o trabalho de empresas ucranianas na área da gestação por substituição, abordando algumas das questões que se colocam com esta prática.
É preciso compreender o que hoje envolve recorrer às barrigas de aluguer em Portugal. Um fator determinante – que acaba por se tornar numa limitação – é que a gestante não pode ser paga. O regime também só é acessível a casais heterossexuais (portugueses ou estrangeiros) legalmente casados e por motivos estritamente médicos, como por exemplo, ausência do útero.
Devido às barreiras colocadas, vários casais recorrem a serviços noutros países, entre os quais a Ucrânia. No caso da Feskov, os processos de gestação por substituição com parto em Portugal custam pelo menos 60 mil euros. Entre as etapas está o programa de fertilização, a realização de um teste genético para verificar a viabilidade dos embriões, a implementação numa barriga de aluguer, o nascimento de um bebé “saudável” em território português e o acompanhamento jurídico no processo.
O pacote “Balance Portugal” destina-se sobretudo a cidadãos espanhóis, uma vez que a clínica considera que os serviços públicos de Espanha não conseguem restringir o registo de crianças nascidas em Portugal, dada a ausência de legislação clara. E não, isto não é ilegal.
Ao Polígrafo, a Associação Portuguesa de Fertilidade revelou que não tem conhecimento da existência de casais portugueses que tenham recorrido à gestação de substituição na agência indicada.
“Temos conhecimento de casos de nascimento de crianças em Portugal, através de processos de gestação de substituição iniciados na Ucrânia através de agências, mas no âmbito da autorização excepcional e temporária concedida pelo Governo para a vinda de gestantes ucranianas com a ajuda de casais portugueses, perante a situação de guerra existente no país”, explicou a associação.
Segundo a mesma fonte, no que diz respeito à obtenção de nacionalidade portuguesa pela gestante, tendo em conta o que prevê a lei da gestação de substituição ainda por regulamentar pelo Governo, “a gestante não é considerada mãe da criança a nascer, dado que o bebé é registado com o nome do pai e posteriormente adotado pela mãe portuguesa. Caso a gestante pretenda ficar em território português, terá que estar sob as regras para a permanência no país“.
Para compreender a questão da atribuição da nacionalidade nos casos de filhos de pais estrangeiros, o Polígrafo contactou Juliano Stello Marques, advogado em Direito da Família, Penal, Estrangeiros, Administrativo e Notarial.
O especialista considerou que o vídeo divulgado nas redes sociais de suposta venda de “pacote de nascimento em Portugal”, para a obtenção da nacionalidade portuguesa, induz um erro de perceção, porque ignora critérios que têm de ser seguidos.
“Da forma como é veiculado o conteúdo sobre o tema, passa a ideia de que basta um casal de nacionalidade de um Estado terceiro vir realizar em Portugal o parto de seu filho, que a nacionalidade portuguesa é atribuída automaticamente à criança. Isso não é exatamente verdade. É possível a atribuição da nacionalidade portuguesa ao bebé filho de pais estrangeiros nascido em Portugal. Contudo, o legislador colocou um ‘travão’, ou seja, a exigência de que pelo menos um dos progenitores resida em Portugal independentemente de título, há pelo menos um ano”, referiu Stello Marques.
Esta foi uma de alteração à lei da nacionalidade – que antes previa um mínimo de dois anos – aprovada em setembro de 2020 pelo PS, BE, PCP, PEV, PAN e Livre. E, ao contrário do que refere a denúncia, o PSD foi um dos partidos que votou contra.
Conclui-se, assim, que independentemente de todas as questões que se possam colocar acerca dos serviços desta e de outras empresas que se dediquem à gestação por substituição, a mensagem passada no vídeo acaba por difundir uma ideia errada. E mesmo que existam pessoas e intermediários a vender um “pacote” como o descrito, o caminho não é tão simples quanto aparenta.
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Avaliação do Polígrafo: