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Empresa da família da ministra da Cultura voltou a celebrar contratos com o Estado?

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Uma empresa detida pelo pai, mãe e irmão de Graça Fonseca terá fechado dois negócios com o Estado em 2020. Na denúncia que surgiu nas redes sociais recorda-se que a ministra da Cultura já tinha estado envolvida numa polémica similar em 2019.

A suspeita é levantada por Sofia Afonso Ferreira, candidata autárquica a Lisboa pelo partido Nós, Cidadãos!, através de uma publicação no Facebook. “A empresa familiar da ministra da Cultura, Graça Fonseca, voltou a celebrar mais dois contratos de consultoria para um organismo público. (…) o primeiro no valor de 23.000 euros para a elaboração de projeto de especialidade no âmbito de infraestruturas elétricas, rede de iluminação pública e telecomunicações na Avenida da Liberdade; o segundo contrato, no valor de 9.100 euros por ajuste direto, para alteração do projeto de execução para instalação de rede WI-FI CCTV no HUB Beato”, denuncia.

Apontando para um cenário aparente de conflito de interesses, Sofia Afonso Ferreira garante que os negócios foram fechados ao longo do ano de 2020 com a empresa pública SRU — Sociedade de Reabilitação Urbana. Por isso, a candidata autárquica termina o texto com um apelo aos eleitores: “Nas próximas eleições autárquicas, prefira igualdade de oportunidades a tachos.”

Esta não é a primeira vez que Graça Fonseca está envolvida numa polémica relacionada com conflito de interesses entre o exercício do cargo político e a atividade empresarial a que está ligada. Há dois anos, foi tornado público que duas empresas da família, e das quais Graça Fonseca era sócia, celebraram praticamente duas dezenas de contratos com o Estado, incluindo com a Câmara Municipal de Lisboa, onde a ministra tinha sido vereadora até 2015.

Será que a empresa da família de Graça Fonseca voltou a celebrar contratos com o Estado, ao longo do ano passado, depois de uma polémica semelhante em 2019? A resposta é sim, porém há detalhes importantes que não devem ser desvalorizados na interpretação do caso.

O Polígrafo consultou o portal Base, a página onde a administração pública está obrigada a registar todos os negócios superiores a cinco mil euros. No site, é possível confirmar a informação avançada por Sofia Afonso Ferreira.

No ano passado, a empresa Joule — Projetos, Estudos e Coordenação Lda., a referida “empresa familiar da ministra da cultura”, celebrou dois contratos com a empresa municipal Lisboa Ocidental, SRU — Sociedade de Reabilitação Urbana. Um dos negócios foi fechado pelo valor de 23 mil euros, o outro pela quantia de 9.100 euros. Além disso, o Polígrafo verificou que existe um terceiro contrato no ano de 2020 registado no Portal Base, no valor de 19.965 euros, entre a Joule e a Câmara de Lisboa.

Porém, ao contrário do que acontecia em anos anteriores a 2019, a ministra da Cultura já não é, e não era em 2020, sócia da empresa da família. O portal da Justiça detalha que a Joule — Projetos, Estudos e Coordenação, Lda. é detida apenas por Luís Miguel da Fonseca Caetano Gonçalves, o irmão da ministra, e por Isabel Maria Gonçalves da Fonseca Alves Caetano Gonçalves e João Fernando Caetano Gonçalves, os pais de Graça Fonseca.

Contactada pelo Polígrafo, fonte oficial do gabinete da ministra confirma a informação que consta no portal da Justiça: “esclarecemos que a senhora ministra da Cultura não tem qualquer participação social na empresa que refere há dois anos.”

Além disso, o Governo garante que “não existem quaisquer conflitos de interesses legais” resultantes dos negócios fechados entre a empresa dos pais e do irmão da ministra e o Estado, ao longo do último ano. Para isso, o gabinete de Graça Fonseca invoca a lei das incompatibilidades, alterada em 2019, e que define que os detentores de cargos políticos estão impedidos de participar em procedimentos de contratação pública apenas quando uma empresa é detida por si ou conjuntamente por si com um familiar, situação que não se verifica no caso de Graça Fonseca, uma vez que à data dos negócios em causa a empresa já só pertencia aos pais e ao irmão da governante.

No dia anterior e ao longo do "Dia Mundial do Teatro", 27 de março, um número alargado de trabalhadores do sector cultural, como atores, músicos e técnicos, divulgaram nas redes sociais imagens de um "e-mail" remetido pelo Ministério da Cultura com a seguinte notificação: "Informamos que o pedido de apoio passou para o estado não validado".

Em declarações ao Polígrafo, a advogada Rita Garcia Pereira confirma que, à partida, não existe um cenário de conflito de interesses, porém deixa um alerta: “O que é essencial não é apenas que a senhora ministra esteja formalmente afastada da gestão da empresa, mas que o esteja também em termos substantivos. Ou seja, ela não pode praticar nenhum ato de gestão, formal ou informalmente. Não pode ir à empresa, não pode dar ordens e não pode tomar decisões.” Rita Garcia Pereira refere, ainda assim, que participações informais em sociedades só podem ser aferidas em sede de tribunal.

Em conclusão, é verdadeiro que a empresa da família da ministra da Cultura celebrou vários negócios com o Estado, ao longo do ano passado. Porém, ao contrário das circunstâncias noticiadas em 2019, Graça Fonseca já não era sócia da empresa em causa no ano de 2020, o que, conjugado com a nova lei das incompatibilidades, afasta um possível cenário de conflito de interesses.

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Avaliação do Polígrafo:

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