- O que está em causa?O Governo de António Costa tinha anunciado o fim dos "vistos gold", mas entretanto acabou por recuar. A líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, criticou hoje esse recuo, sublinhando que depois do anúncio do término do programa, o pedido desse tipo de vistos "disparou 50% em Lisboa e mais de 200% no Porto". Tem razão?

"O PS não só não tem resolvido o problema [da Habitação], como tem piorado o problema de forma irresponsável ao fazer anúncios que depois não concretiza", criticou hoje Mariana Mortágua, em declarações à Agência Lusa na Alameda, em Lisboa, onde o Bloco de Esquerda inaugurou um novo cartaz com a seguinte mensagem: "Proibir a venda de casas a não residentes, radical? Radical é o salário não chegar para a casa."
A líder do Bloco de Esquerda deu o exemplo do programa "Mais Habitação", novamente aprovado esta sexta-feira no Parlamento, considerando que se trata de um "conjunto de medidas que acabaram por ser perversas" porque foram anunciadas e ainda não foram concretizadas.
"O Governo decidiu anunciar que ia limitar o aumento das rendas dos novos contratos, mas não o pôs em prática imediatamente: fez o anúncio em fevereiro de 2023 e essa medida ainda não entrou em prática. O resultado é que os novos contratos aumentaram mais de 10%, porque os senhorios anteciparam esse congelamento", afirmou.
No mesmo sentido, Mortágua criticou o anúncio do fim dos "vistos gold", sublinhando que, após esse anúncio, o pedido desse tipo de vistos "disparou 50% em Lisboa e mais de 200% no Porto".
Para a bloquista, "isto quer dizer que o próprio anúncio do Governo, ao dizer que vai acabar com os 'vistos gold', mas ao não acabar com os 'vistos gold', fez com que houvesse uma corrida aos vistos".
"Há medidas que não podem ser anunciadas com tempo, têm de ter uma entrada em vigor imediata", defendeu.
É verdade que a "emissão de 'vistos gold' disparou 50% em Lisboa e mais de 200% no Porto" após o Governo ter anunciado que esse programa iria terminar?
Em causa está o regime de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI), comummente denominado como "visto gold". De acordo com os dados estatísticos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), no conjunto do ano de 2022 foram emitidos 1.281 "vistos gold" (dos quais apenas dois resultaram na criação de postos de trabalho), um aumento considerável em relação ao ano de 2021, quando foram emitidos apenas 865 "vistos gold" (e dos quais apenas três resultaram na criação de postos de trabalho).
Foi no ano de 2022 que se verificou um incremento de 55,58% na emissão de "vistos gold" ou ARI em Lisboa (de 466 em 2021 para 725 em 2022) e de 216,18% no Porto (de 68 em 2021 para 215 em 2022). Mortágua estava a referir-se a essas percentagens de incremento, arredondando por defeito.
Importa salientar que a partir de 1 janeiro de 2022 entrou em vigor uma "norma travão" que suspendeu a possibilidade de investidores estrangeiro obterem um "visto gold" através da aquisição de um imóvel residencial em cidades do Litoral (com o objetivo de canalizar investimento para as cidades do Interior), além de ter aumentado o valor de investimento mínimo efetuado na criação de uma empresa ou num fundo, entre outras medidas.
Em vez de limitar o número de ARI concedidas em cidades do Litoral, porém, a "norma travão" parece ter resultado no oposto: aumento exponencial das ARI em Lisboa e no Porto.
Mas a líder do Bloco de Esquerda apontou para o anúncio do término do programa de ARI por parte do Governo. Em novembro de 2022, no decurso de uma vista à Web Summit em Lisboa, o primeiro-ministro António Costa revelou que o Governo estava a reavaliar o programa dos "vistos gold" e admitiu que poderia mesmo terminar. "Provavelmente já cumpriu a função que tinha a cumprir e neste momento não se justifica mais manter", afirmou Costa.
Anúncio do fim manifestamente exagerado
Dito e (quase) feito. Já no dia 16 de fevereiro de 2023, em conferência de imprensa do Conselho de Ministros para anunciar a aprovação do pacote "Mais Habitação", o Governo anunciou uma série de medidas integradas nesse programa, nomeadamente "o fim da concessão de novos 'vistos gold', 'sendo renovados os existentes, se se tratar de investimentos imobiliários, apenas para habitação própria e permanente ou se for colocado duradouramente no mercado de arrendamento'".
Mais recentemente, porém, têm surgido notícias que dão conta de um aparente recuo do Governo quanto a essa medida em específico, com epicentro no Parlamento.
"As propostas de alteração ao programa 'Mais Habitação' apresentadas pelos grupos parlamentares socialistas e social democrata mantêm parcialmente o regime de autorização de residência para investimento (ARI), o nome técnico dos chamados vistos gold. Uma proposta de alteração do PS, que o PSD também acompanha, mantém a possibilidade de continuar a obter vistos gold através da criação de fundos de investimento", noticiou o jornal "Expresso" a 21 de junho.
"A concessão de autorização de residência por investimento (ARI), ligada estritamente à habitação acaba com o programa 'Mais Habitação'. Como no caso da aquisição de bens imóveis de valor superior a 500 mil euros ou a aquisição de imóveis para reabilitação urbana. Porém, deverá manter-se a possibilidade de obter vistos gold através da criação de fundos de investimento, como tem sido o caso da participação em fundos ligados a empreendimentos turísticos. Uma 'janela' que permitiu contornar a proibição de atribuição de vistos gold nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, bem como em certas regiões do Algarve", detalhou.
Segundo a mesma fonte, "quer a proposta de alteração do PS quer a do PSD entregues no final da semana passada, excluem da revogação dos vistos gold prevista no programa 'Mais Habitação'. Na prática, isto significa que se mantêm a possibilidade de aceder a um visto goldmediante a transferência de capitais no montante igual ou superior a 500 mil eurosdestinados à aquisição de unidades de participação em fundos de investimento. O mesmo acontece com os fundos de capitais de risco vocacionados para a capitalização de empresas".
Ou seja, ainda não está confirmado o término do programa de "vistos gold" e, de acordo com as informações mais recentes, deverá ser mantida a possibilidade de continuar a obter vistos gold através da criação de fundos de investimento".
De qualquer modo, as percentagens de incremento evocadas por Mortágua correspondem ao ano de 2022. O primeiro anúncio de Costa data de novembro de 2022, pelo que eventualmente não estará na origem da totalidade desse incremento no ano de 2022.
Quanto a 2023, os números apurados pelo SEF até agosto parecem indiciar um ligeiro aumento, mas não tão acentuado como na transição entre 2021 e 2022 - o que até poderá ter outras causas, desde os efeitos da pandemia de Covid-19 até à referida "norma travão", mas ainda assim não invalida o essencial da alegação de Mortágua.
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Avaliação do Polígrafo:
