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“Por cada 10 euros de carregamento de um veículo elétrico, 7 euros são taxas” em Portugal?

Economia
O que está em causa?
Apesar dos benefícios ambientais dos veículos elétricos, persistem as dúvidas quanto à durabilidade das baterias e em torno do sistema de carregamento. Neste âmbito, um leitor questiona se é verdade que "por cada 10 euros de carregamento de um veículo elétrico" em Portugal, 7 euros correspondem a taxas.
© Agência Lusa / Ricardo Graça

“Em Portugal, por cada 10 euros de carregamento de um elétrico, 7 euros são taxas?”, questionou um leitor em mensagem enviada ao Polígrafo, na sequência de uma explicação dada recentemente por Pedro Bastos, consultor no setor automóvel, em entrevista à CNN Portugal – partilhada pelo próprio na rede social LinkedIn. 

Sobre os custos associados ao carregamento de um veículo elétrico, o consultor afirmou: “A prioridade deve ser dada ao carregamento doméstico. Aí sim, é baratíssimo. O carregar fora, não diria que é caro, mas é francamente mais caro do que se carregar em casa. E não é só pela questão do custo da energia, é mais pelas taxas que estão aplicadas à utilização do serviço. Nós temos, neste momento, casos caricatos de gastar 10 euros num carregamento em que sete euros são taxas. Ou seja, só três euros é que são realmente a energia que eu coloquei dentro do meu carro.”

Perante estas alegações, importa questionar: existem, de facto, casos desta natureza, em que cerca de 70% do montante despendido no carregamento de um veículo elétrico diz respeito a “taxas”? E, se sim, trata-se de uma regra generalizável ou apenas aplicável em casos excecionais?

Questionada pelo Polígrafo, a Mobi.E, Entidade Gestora da rede de Mobilidade Elétrica em Portugal, começou por destacar que “continua a haver uma grande desinformação sobre o mecanismo tarifário aplicado na infraestrutura de carregamento em Portugal”.

Ora, sobre o tema, a empresa pública notou que, através do modelo Mobi.E, “é possível, com um único meio de acesso (cartão/app), carregar o veículo elétrico em todos os postos de carregamento independentemente de quem é o dono desse posto”. Um funcionamento que “é muito idêntico ao do serviço Multibanco”, no qual “um cliente bancário pode utilizar o seu cartão bancário para realizar operações financeiras em qualquer caixa Multibanco, independentemente do banco detentor” da mesma.

Para que tal fosse, explicou a mesma fonte, “houve necessidade de distinguir o carregamento em duas funções: a função de comercialização de energia, que é realizada por um Comercializador de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica (CEME), e a função de disponibilização do serviço de carregamento, que é efetuada pelo Operador de Pontos de Carregamento (OPC)”. Porém, por uma “questão de simplicidade para o Utilizador de Veículo Elétrico (UVE), definiu-se que este apenas teria de interagir com um único agente, neste caso, o CEME, pelo que o custo de cada carregamento é faturado pelo CEME e é pago pelo UVE”. 

Assim, de modo a “garantir o funcionamento de uma infraestrutura de carregamento totalmente interoperável, quer CEMEs, quer OPCs são obrigados a contratualizar um conjunto de serviços como, por exemplo, atendimento telefónico, que são, normalmente, prestados por empresas de call center, e os serviços de interoperabilidade da Entidade Gestora da rede de Mobilidade Elétrica (EGME), cuja função é desempenhada pela MOBI.E, tal como a SIBS faz para o sistema financeiro”.

Desta feita, elaborou a empresa pública, “enquanto o CEME cobra a energia com a sua margem de remuneração e as tarifas de acesso à rede que são definidas pela ERSE [Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos], o OPC cobra o serviço de carregamento que visa remunerar a amortização do posto de carregamento e os gastos de manutenção para manter o posto disponível, naturalmente, com uma remuneração”. Porém, “para garantir a transparência tarifária, o CEME é obrigado por lei a identificar todas as componentes tarifárias que compõem o custo de cada carregamento”, as quais estão sistematizadas no seguinte gráfico partilhado no site da ERSE: 

No que toca ao custo efetivo do carregamento de um veículo elétrico para o utilizador, o documento “Tarifas e Proveitos da Entidade Gestora da Rede de Mobilidade Elétrica para 2024”, publicado pela ERSE a 15 de dezembro de 2023, é feita uma avaliação do impacto das tarifas no custo por 100 quilómetros num “carregamento típico de 9,5 kWh”, explicou ao Polígrafo a Mobi.E:

Com base nesta avaliação, elucida a mesma fonte, “a autoridade conclui que o custo médio de um carregamento num posto normal pode variar entre 7,42 euros em Baixa Tensão e 7,82 euros em Média Tensão, enquanto, num carregador rápido, os preços variam, respetivamente, entre 7,83 e 7,84 euros”.

Assim, “se olharmos apenas para a componente de energia, ela representa cerca de 25% do custo do carregamento” – percentagem que varia ligeiramente mediante o cenário considerado, entre os acima expostos –, “a que acresce 2% de remuneração média do CEME”. Não muito longe, ainda assim, do mencionado pelo consultor Pedro Bastos em explicação à CNN Portugal.

Porém, “o restante tarifário tem componentes que beneficiam diretamente o utilizador e sem os quais não é possível existir o carregamento nas condições que existem”, como é o caso do: “serviço OPC, que paga a disponibilização dos postos de carregamento que é tanto mais caro quanto maior é a potência do mesmo e que varia entre os 30% (postos normais BT) e os 39% (postos rápidos MT)”; mas também dos “serviços de interoperabilidade e acessibilidade de informação em tempo real disponibilizados pela EGME que representam cerca de 10%”. Sobre isso, a Mobi.E notou que “o Estado, através do Fundo Ambiental paga um subsídio por cada carregamento que faz com que esta tarifa represente apenas 7%”. Pelo que, contas feitas, “os serviços de carregamento representam entre 37% e 46% do custo” total para o utilizador. 

Além disso, existem ainda “as tarifas de acesso à rede, que representam os custos suportados com a ligação dos postos à rede nacional de energia”, ou seja, “aquilo que conhecemos em nossas casas como o termo de potência do contador”, explicou a mesma entidade. Com base na avaliação da ERSE, esse fator “representa entre 7% e 13%” do preço total cobrado, elaborou a empresa.

Contas feitas, “as taxas e impostos” associados a uma operação desta natureza apenas “representam 19%” do seu custo total para o consumidor. No raciocínio analisado, várias componentes – como os “serviços de carregamento” e as “tarifas de acesso à rede”, por exemplo – estavam a ser erradamente incluídos na designação de “taxas”, o que não corresponde à realidade. Apesar de não dizer respeito à energia efetivamente usada para carregar o automóvel, tratam-se de outros custos associados ao desenrolar da operação – e não a impostos, como dava a entender a premissa analisada, que se conclui ser descontextualizada.

Finalmente, sobre “ser mais barato carregar” um veículo elétrico “em casa do que na infraestrutura de acesso público”, tal como apontado pelo consultor Pedro Bastos em entrevista à CNN Portugal, a Mobi.E explicou que “tal será sempre uma verdade, assim como será sempre mais barato tomar uma refeição em casa do que num restaurante”. Especialmente “quando não consideramos os gastos com o ponto de carregamento ou o termo de potência”, acrescentou a mesma fonte.

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Avaliação do Polígrafo:

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