“A apropriação por uma unidade hoteleira de mais de metade de um passeio público reduzindo-o a dimensões ilegais é um escândalo”, denuncia-se num tweet de 12 de agosto que está a gerar discussão e pedidos de verificação de factos. Exibe uma imagem da estrutura em madeira que terá sido colocada em frente a uma unidade hoteleira, mais precisamente na Avenida da Liberdade, centro de Lisboa.
Nos comentários ao tweet critica-se desde logo a ocupação de um passeio público, deixando pouco espaço para a mobilidade dos peões. Por outro lado, também se questiona o licenciamento deste tipo de estrutura – mencionando a Câmara Municipal de Lisboa – quando, há cerca de dois meses, a Junta de Freguesia de Arroios ordenou a retirada de 38 esplanadas que tinham sido instaladas em lugares de estacionamento de automóveis durante a pandemia de Covid-19.
Ao Polígrafo, a presidente da Junta de Freguesia, Madalena Natividade, justifica que a decisão se deve à situação excecional em que estas esplanadas se encontravam. “Nós na freguesia temos mais de 350 esplanadas. Na situação excepcional de Covid foram atribuídas cerca de 60, e, dessas, temos 29 em que não aceitam, portanto, esta é a reposição da situação que estava antes do Covid”, esclarece.
Natividade explica ainda a diferença entre o número inicialmente noticiado, as 38 esplanadas, e as 29 que atualmente existem por regularizar. “Neste momento temos 29, tínhamos 60, entretanto foram regularizando as situações, algumas retiraram, outros negócios fecharam, mas neste momento temos 29 esplanadas em situação irregular, desde 2022, que estão a funcionar ilegalmente”, aponta a autarca.
Quanto às “queixas de ruído” e a necessidade de recuperação de lugares de estacionamento, a presidente diz serem só “consequências da situação de haver as esplanadas” e não a justificação para a retirada destes espaços. “A posição do Executivo da Junta de freguesia tem a ver única e exclusivamente com a situação de excepção, que terminou em 2022, e sendo nós sensíveis a essa situação, ainda prolongamos durante mais um ano e meio, portanto, demos a oportunidade ainda de estarem algum tempo a trabalhar, mas há outras freguesias em Lisboa que já retiraram as esplanadas em situação de Covid”, conclui.
Nesse sentido, aponta-se para uma suposta dualidade de critérios na autorização desta esplanada e na decisão de remover 38 esplanadas de proprietários de estabelecimentos de pequena dimensão.
Em resposta ao Polígrafo, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) enjeitou responsabilidades sobre esta matéria, indicando que as Juntas de Freguesia dispõem de autonomia em relação ao licenciamento deste tipo de estruturas.
Sublinha a CML que “nos termos da Lei n.º 56/2012, de 8 de novembro, que procedeu à reorganização administrativa de Lisboa, as Juntas de Freguesia do concelho de Lisboa têm competência própria”. De facto, no ponto g) do artigo 12.º determina-se que as Juntas de Freguesia têm a competência de “atribuir licenças de utilização/ocupação da via pública“, além de vários outros tipos de licenças.
Quanto à estrutura denunciada no tweet, verifica-se que foi colocada junto ao Hotel Tivoli, na Avenida da Liberdade, ligeiramente à direita do “Café Liberdade”.
No que concerne ao espaço que resta do passeio com a instalação da estrutura, o que diz a lei? No “Regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais”, inscrito no Decreto-Lei n.º 163/2006, determina-se que os “passeios adjacentes a vias principais e vias distribuidoras devem ter uma largura livre não inferior a 1,5 metros“, ao passo que “os pequenos acessos pedonais no interior de áreas plantadas, cujo comprimento total não seja superior a 7 metros, podem ter uma largura livre não inferior a 0,9 metros”.
Contactada pelo Polígrafo, a Junta de Freguesia de Santo António (JFSA), responsável pela área da Avenida da Liberdade, justifica que a esplanada, além de ter um carácter provisório – “uma vez que as faixas laterais da Avenida da Liberdade vão entrar em obras de repavimentação já a 19 de agosto e até 20 de setembro, data após a qual a esplanada será relocalizada na faixa de rodagem em frente ao edifício” -, também cumpre os critérios de passagem pedonal.
“Essa esplanada teve o seu projeto apresentado em maio e diferido, pelos serviços da Freguesia de Santo António, a 25 de junho deste ano, por estar conforme todos os critérios constantes do DL 48/2011 e do PUALZE (Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade e Zona Envolvente), nomeadamente a salvaguarda de 1,5 metros de passagem pedonal”, garante a JFSA.
Além disso, realça que a Avenida da Liberdade, “por ser uma via muito movimentada e de alta dinâmica, possui largos e agradáveis passeios centrais, por onde a mobilidade pedonal é sempre aconselhada e incentivada”.
Quanto à comparação com o caso de Arroios, a JFSA alega que a estrutura instalada em frente ao Hotel Tivoli – e que pertence à unidade hoteleira – “não se pode confundir com as comummente denominadas ‘esplanadas Covid-19’, espaços provisórios e excecionais de esplanada que foram permitidos em locais de estacionamento durante o auge da pandemia de Covid-19, como tentativa de ajudar os comerciantes a poderem continuar a operar nesse tempo de má memória, e que agora, passada o pico da pandemia, estão – como sempre esteve planeado e divulgado – a ser revertidos à sua função original”.
Conclui ainda que sendo a Avenida da Liberdade “a mais cosmopolita e visitada do país, todas as dinâmicas comerciais são sempre bem-vindas“. Desde que, “obviamente, cumpram e salvaguardem todos os regulamentos em vigor”.
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Nota editorial: No dia 20 de agosto, por volta das 13h, foram adicionadas mais informações no artigo, nomeadamente a explicação de Madalena Natividade, presidente da Junta de Freguesia de Arroios, sobre o que motivou a decisão de retirar as esplanadas (o carácter excecional das mesmas e não a questão do barulho ou estacionamento), além de um esclarecimento sobre o número de esplanadas em causa que são 29 e não 38 (daí a alteração no título do artigo). A classificação final manteve-se inalterada.
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Avaliação do Polígrafo: