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Eleições na Madeira. Albuquerque admitiu acordo com Chega e no dia seguinte garantiu o contrário?

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
No dia 26 de agosto, "líder do PSD Madeira admite acordo com Chega". No dia 27 de agosto, "Miguel Albuquerque recusa acordos como Chega de André Ventura". A suposta contradição está a ser denunciada no Facebook através da exibição de dois títulos de notícias. O Polígrafo verifica.

A caminho das eleições regionais da Madeira, agendadas para 24 de setembro, multiplicam-se as publicações nas redes sociais sobre a eventualidade de um acordo entre o PSD Madeira e o Chega, se o partido liderado por Miguel Albuquerque (que venceu todas as 12 eleições legislativas desde 1976) não alcançar uma maioria absoluta na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

Em 12 eleições, o PSD Madeira venceu 12 vezes e só por uma vezem 2019 – não assegurou uma maioria absoluta parlamentar. Já com Albuquerque na liderança, após ter sucedido ao líder histórico Alberto João Jardim em 2015. Nas próximas eleições de 24 de setembro, o PSD Madeira vai concorrer em coligação com o CDS-PP – é a primeira vez que tal acontece -, na sequência do acordo de incidência parlamentar firmado no pós-eleições de 2019 e que permitiu a Albuquerque continuar a governar com base numa maioria parlamentar estável.

E se, em 2023, a soma entre PSD Madeira e CDS-PP não chegar para a maioria absoluta? É uma das maiores incógnitas em torno das eleições deste ano e de um novo ator político que, nesse caso de maioria relativa, poderá desempenhar um papel fundamental: o Chega, de André Ventura (ou Miguel Castro, líder regional), que nas eleições de 2019 obteve apenas 619 votos (0,43%) mas entretanto conseguiu escalar para 4,1% das intenções de voto em recentes sondagens na Madeira.

De acordo com várias publicações nas redes sociais, Albuquerque não tem sido claro quanto a essa eventualidade, por entre sucessivos ziguezagues: acordo é possível, não é possível, há acordo, não há acordo. Num exemplo de 27 de agosto, Albuquerque é mesmo caracterizado como um “líder bipolar” que “de manhã faz acordos com o Chega, durante a tarde recusa, ao final do dia liga a Ventura”.

Nessa publicação exibem-se dois títulos de notícias que ilustram a supostam contradição do líder do PSD Madeira: no dia 26 de agosto, “líder do PSD Madeira admite acordo com Chega”; no dia 27 de agosto, “Miguel Albuquerque recusa acordos como Chega de André Ventura”.

 

As duas notícias são verdadeiras e recentes, com diferença de apenas um dia entre elas. A do “Diário de Notícias” foi publicada a 26 de agosto na sequência de uma entrevista concedida pelo líder do PSD Madeira ao “Novo Semanário“.

“Relativamente ao Chega na Madeira, eu tenho grandes reticências e vou dizer-lhe porquê. Porque nós somos, aqui na Madeira, um partido intrinsecamente autonomista e faz parte da sua identidade e da sua matriz o alargamento da autonomia política e como sabe – e toda a gente sabe -, os partidos de matriz nacionalista têm uma tendência para serem centralistas e antiautonomistas”, declarou Albuquerque na referida entrevista.

“Os partidos irmãos do Chega, por exemplo o Vox em Espanha, numa das propostas que apresentou agora era a extinção das autonomias espanholas, portanto um projeto suicidário e isso diz pela falta de capacidade do Feijóo perceber que era necessário fazer uma boa campanha na Catalunha e perdeu na Catalunha para o PSOE. Outro exemplo é a Frente Nacional que advoga uma restrição das autonomias da Córsega. Portanto não temos muita base, muita plataforma para ter qualquer entendimento com o Chega”, explicou.

“Se bem que eu não sou apto a ser enganado pelas linhas vermelhas impostas pelo PS“, ressalvou. “Porque se o PS aceita fazer acordos e ter o Governo sustentado durante quatro anos por partidos marxistas, anti-NATO, antipluralismo e anti-UE como o PCP e BE, que são partidos radicais à esquerda, mas que são aceites pelo Tribunal Constitucional e representam eleitores, também não vejo que o Chega possa ser estigmatizado no quadro do funcionamento constitucional da nossa democracia”.

Questionado diretamente sobre se haveria espaço para acordos com o Chega, Albuquerque respondeu: “Penso que não será necessário. Com o Chega tenho muitas dúvidas que possa fazer acordos com eles pelas razões que lhe disse, mas vai depender do resultado. Não há vitórias antecipadas, a nossa proposta é governar com vitória absoluta, como fizemos até agora porque neste momento é fundamental a região prosseguir este caminho de prosperidade e desenvolvimento que tem tido nestes últimos quatro anos”.

Apesar de ter demonstrado pouca abertura à possibilidade de um acordo com o partido liderado por Ventura, por não considerar ser “necessário”, Albuquerque não fechou totalmente a porta. Mas logo no dia seguinte, 27 de agosto, em entrevista à SIC, parece ter mudado de discurso ou posição.

“Não há [acordo] porque nós somos um partido autonomista e o Chega é um partido nacionalista e centralista e eu não vou dar de comer ao crocodilo na esperança de ser comido em último lugar que é muitas vezes quem não tem coragem para tomar decisões. E eu sou muito claro, não vou fazer alianças nenhumas. Primeiro porque não preciso, porque vou ganhar, em segundo lugar porque não vou fazer acordos com partidos que são contra a autonomia”, sublinhou. “Estou confiante e espero ter a maioria, se não tiver a maioria não vou governar porque é impossível governar sem maioria“.

Na entrevista à SIC, Albuquerque também abordou a questão das “linhas vermelhas” do PS em relação ao Chega: “São criadas não pelos partidos nem por aquilo que o PS e opinion makers fazem, mas é fixado pelo Tribunal Constitucional porque os partidos desde que são admitidos pelo Tribunal Constitucional representam os eleitores e têm o direito de existir. Portanto essas linhas vermelhas não existem em democracia, só existem se o Tribunal Constitucional vetar a existência desses partidos.”

Note-se que o Tribunal Constitucional, precisamente, decidiu no dia 4 de setembro dar luz verde ao Chega para se poder candidatar às eleições regionais da Madeira, tendo recusado os recursos apresentados pelo partido ADN – Alternativa Democrática Nacional e por um militante do Chega Madeira que alegavam que a decisão do Tribunal Constitucional de anular a convenção do partido (em que foram eleitos os órgãos nacionais) inviabilizava as nomeações dos candidatos às eleições madeirenses efetuadas pela Direção Nacional do Chega.

A linha do tempo até agosto

Recuando ao dia 21 de junho, Albuquerque defendeu nessa altura – em declarações aos jornalistas, no Palácio de Belém – que havia “uma hipótese muito remota” de o PSD e CDS-PP, que concorrem coligados, não alcançarem a maioria absoluta para governar e, assim, ficarem dependentes de “acordos parlamentares num quadro eleitoral pós eleitoral com qualquer partido eleito”.

No entanto, nestas declarações não determinou “linhas vermelhas” em relação ao Chega. “Nós não estabelecemos ‘linhas vermelhas’, porque qualquer partido que é aceite no Tribunal Constitucional e que faz parte do jogo do quadro político democrático deve ser, em todos os cenários de uma democracia liberal, interlocutor privilegiado para qualquer questão”, defendeu.

Uma semana depois, no dia 30 de junho, Albuquerque tinha reagido às declarações de Ventura sobre o objetivo do Chega nas eleições regionais. “Nós vamos acabar com a maioria do PSD na Região Autónoma da Madeira”, declarou o presidente do Chega.

Em resposta, o presidente do Governo Regional da Madeira afirmou: “[O Chega] vai ter de trabalhar bastante para acabar com a maioria absoluta, penso eu. Mas cada um tem legitimidade para a ambicionar. Quem coloca de parte acordos sou eu. Não há acordo, nenhum acordo com o Chega. Vamos às eleições para ganhar, se for possível ganhar com maioria absoluta, que é o que nós queremos, é ótimo porque a Madeira precisa de estabilidade governativa.”

Dois dias depois, novas declarações de Albuquerque reiterando então que “numa democracia, nós não podemos ter essas ideias de excluir seja quem for, eu sou um democrata, só não é democrata quem põe essas ‘linhas vermelhas'”.

“O PS lança estas ‘linhas vermelhas’, mas pode fazer todas as alianças com os partidos comunistas e extremistas e a direita está condicionada e tem de explicar porque não vai fazer, ou vai fazer, ou eventualmente um dia pode não fazer”, disse Albuquerque, à semelhança do que defendeu mais recentemente, na entrevista à SIC.

Em suma, é verdade que Albuquerque admitiu a hipótese de acordo com o Chega num dia e no dia seguinte recusou completamente essa possibilidade.

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Avaliação do Polígrafo:

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