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“É um mal menor”. Chega não quer casas-de-banho mistas mas foi o único partido a propor que sejam instaladas nas escolas?

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O que está em causa?
Ainda esta quarta-feira, Rita Matias pedia ao Parlamento para que não se deixasse levar pela "ideologia de género", não permitindo que casas-de-banho mistas fossem uma realidade para os estudantes portugueses. O que a deputada do Chega não referiu foi que nem um mês antes tinha assinado um projeto-lei em que, depois de alertar para o perigo de tal medida, o partido propõe que sejam criadas casas-de-banho mistas nas escolas. Contraditório? Chega garante que não. E que vai revogar a iniciativa assim que for Governo.

“Rita Matias arrasa Isabel Moreira sobre casas-de-banho mistas nas escolas”. Este é o título de um vídeo partilhado no YouTube, esta quarta-feira, depois de o Parlamento ter discutido os projetos de lei do Bloco de Esquerda, PAN, Livre, PS e Chega sobre o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género.

As declarações, que passamos a transcrever, deixam pouca margem para dúvidas: “Falar em radicalização do discurso e em informações falsas de quem não citou um único parecer ou um único estudo nas suas propostas é, no mínimo, uma grande hipocrisia. Já que querem dados e informações, vou-lhe dar: ‘Mãe denuncia estudante que tenta forçar a abertura do cubículo onde a sua filha estava e a porta atinge a cabeça da menina’; ‘Uma mulher foi violada numa casa-de-banho mista no Reino Unido e o homem alegou que se sentia como mulher e portanto estava no uso da sua legitimidade a frequentar aquele espaço.'”

Rita Matias dirigia-se à bancada parlamentar socialista, referindo que estes estariam a tentar “ocultar” informação: “Também tentam ocultar e não citam, nomeadamente, o parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que é citado apenas pelo partido Chega, e que diz no seu parecer que a defesa dos direitos de uns não pode ser feita à custa dos direitos dos outros, diz que devem ser mantidas as casas-de-banho mediante o sexo feminino e o sexo masculino e diz que se devem criar, no máximo, espaços individualizados para outro tipo de frequência.”

Antes disso, ao apresentar o projeto de lei do seu partido, a deputada mencionou as casas-de-banho pela primeira vez, dizendo o seguinte: “(…) Dizem ao estudante: ‘vai à casa-de-banho que quiseres, como te apetecer.’ E depois desta bandalheira toda, reduzem a identidade do seu filho à sexualidade e à forma como o incentivam a praticar.”

No Projeto-Lei 705/XV/1.a, assinado pelo grupo parlamentar do Chega e discutido na última quarta-feira na Assembleia da República, o partido pede um reforço na “proteção e privacidade das crianças e jovens nos espaços de intimidade em contexto escolar”, através da regulamentação, nomeadamente, da “abertura da possibilidade à partilha da casa-de-banho ou balneários por pessoas de diferentes sexos”.

Em publicação no Facebook destaca-se que "alunos e professores na escola pública podem escolher a casa-de-banho com que se identificam", na medida em que "o PS submeteu ao Parlamento o projeto-lei que pretende garantir aos alunos o direito ao uso da casa-de-banho segundo o género escolhido". O que está em causa?

“É por demais evidente que a falta de especificação do modelo de partilha destes espaços e que a abertura desta possibilidade coloca as crianças e jovens em situação de particular vulnerabilidade e risco”, considera o partido de extrema-direita, dando como exemplo a associação Fair Play For Women, que atua no Reino Unido, “onde a realidade das casas-de-banho mistas ou unissexo é bastante presente, e que afirma que os espaços de intimidade partilhados são inseguros e que colocam as pessoas em risco, nomeadamente as mulheres”.

O partido escreve ainda, linhas à frente, que, “em 2018, 90% das queixas de assédio, agressões sexuais, violações ou denúncias de voyeurismo ocorreram em centros de lazer ou balneários de piscinas públicas, em instalações indiferenciadas pelo sexo, unissexo ou partilhadas”. Mas apresentados os factos, é tempo de os contrariar: diz o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, citado pelo Chega, que é necessário aperfeiçoar a regulamentação do “acesso a casas de banho e balneários, sugerindo a criação ou regulamentação de alguns espaços específicos não caracterizados a que se pode aceder sem qualquer critério de género sendo ainda, nas suas palavras, fundamental respeitar o direito à privacidade e o respeito pela intimidade de todos os membros da comunidade educativa.”

“A criação de espaços específicos, determinados e devidamente identificados respeita a privacidade de todos quantos querem frequentar a casa-de-banho do seu sexo e salvaguarda também as pessoas com disforia de género ou em ‘processo de transição social’, salvaguardando o seu bem-estar e garantindo que no âmbito desse processo não estão expostas a olhares indiscretos ou jocosos”, considera o partido que, nestes termos, veio a defender que “os estabelecimentos do sistema educativo, independentemente da sua natureza pública ou privada, devem garantir as condições necessárias, sem comprometer a privacidade e segurança da comunidade escolar, para que as crianças e jovens se sintam respeitados de acordo com a identidade de género e expressão de género manifestadas e as suas características sexuais”.

Chama-se Luís Trigacheiro e ficou conhecido depois de ganhar, em 2020, um concurso de talentos na RTP. Sujeito ao escrutínio público, o artista alentejano foi identificado por muitos internautas como sendo apoiante do partido Chega. Agora, é chamado a atuar nas celebrações do 25 de Abril, em Lisboa.

Além disso, “os espaços escolares devem assegurar o acesso a instalações sanitárias e balneários divididos pelo critério de sexo masculino e feminino, sem prejuízo de também poderem disponibilizar espaços não caracterizados a que se pode aceder sem qualquer critério de género“.

No dia em que este projeto foi apresentado à Assembleia da República, foram também analisados os documentos do PS, do PAN, do Livre e do Bloco, no mesmo âmbito, mas que defendem o seguinte:

Bloco de Esquerda: “As escolas devem garantir que estudantes e membros do pessoal docente e não docente, no exercício dos seus direitos, acedam às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua segurança e bem-estar.”

PAN: “As escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade.”

Já a 28 de setembro de 2022, um grupo de deputados do PS entregou na Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 332/XV que defendia, no seu artigo 5.º, que “as escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas-de-banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade.”

No caso do Chega, a inclusão da medida no projeto de lei “é um mal menor”, confessa a deputada Rita Matias ao Polígrafo. Na impossibilidade de ver um projeto aprovado sem esta condição, o Chega decidiu incluí-la no seu texto, garantindo que não se trata de um “erro”, mas sim de um conteúdo descontextualizado. Mas deixa uma garantia: se aprovado, o texto será revogado assim que o partido tiver condições governativas para tal.

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Avaliação do Polígrafo:

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