Foi no dia 30 de abril de 2010 que a vida de Ricardo Rodrigues – na altura um dos mais destacados deputados socialistas, sendo vice-presidente da bancada parlamentar e porta-voz do partido para as questões da Justiça – mudou para sempre.

No foco da atualidade estava a comissão parlamentar que visava apurar se José Sócrates sabia ou não da intenção da Portugal Telecom comprar a TVI, no que foi então visto – e depois confirmado pelos factos – como uma tentativa de interferência na linha editorial da estação em que a dupla constituída por José Eduardo Moniz (diretor-geral) e Manuela Moura Guedes (pivot e editora do Jornal da Oito à Sexta) dava semanalmente a conhecer, com grande estrondo, a alegada ligação do ex-primeiro-ministro a negócios considerados duvidosos, dos quais o mais mediático foi o do centro comercial Freeport

Pela exuberância das suas intervenções na defesa de José Sócrates, Ricardo Rodrigues tornou-se rapidamente na figura mais visível - e mais polémica - da comissão parlamentar. Motivo mais do que suficiente para que a revista Sábado lhe tenha pedido uma entrevista – aquela cujo desfecho lhe viria a terminar com as aspirações de uma carreira de sucesso no plano político nacional.

A entrevista decorreu de forma agitada, com os jornalistas a confrontar Ricardo Rodrigues com a violência das suas opiniões, mas não só: também com a falta de coerência das suas opções no plano político. Um exemplo: enquanto porta-voz do PS para a Justiça, Rodrigues defendia o fim das offshores; enquanto advogado particular tinha criado várias.

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A tensão foi escalando, até que atingiu o seu auge quando o deputado foi questionado sobre o processo de pedofilia em que tinha sido envolvido nos Açores – o chamado caso da “Garagem do Farfalha”- e que, apesar de nunca se ter provado nada contra si, motivara a sua decisão de abandonar o governo Regional, de que fazia parte.

Rodrigues levantou-se e consigo levou os dois gravadores que se encontravam na pequena mesa da biblioteca da Assembleia da República, onde se realizava a entrevista. O vídeo do ato impensado viralizou imediatamente na internet.

Posteriormente, numa declaração oficial no Parlamento, tentou justificar a sua ação: “Porque a pressão exercida sobre mim constituiu uma violência psicológica insuportável, porque não vislumbrei outra alternativa para preservar o meu bom nome, exerci acção directa e, irreflectidamente, tomei posse de dois equipamentos de gravação digital, os quais hoje são documentos apensos à providência cautelar”, justificou.

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Os memes sobre o furto de Ricardo Rodrigues multiplicaram-se na internet

Dois anos depois, Ricardo Rodrigues, contra quem a revista Sábado apresentou uma queixa-crime, sentava-se na cadeira dos réus do Tribunal Criminal de Lisboa para ouvir a sentença da juíza Ana Paula Batista. Os argumentos da magistrada foram arrasadores. Sobre a justificação apresentada por Ricardo Rodrigues, a juíza considerou-a “quase absurda”, apontando os gravadores como “um instrumento necessário à atividade jornalística” e dando como provado que subtraí-los visava “impedir os jornalistas de publicar a entrevista”. Entre outras considerações, Ana Paulo Batista afirmou ainda que o comportamento de Ricardo Rodrigues foi reprovável também pelo facto de este ter “formação jurídica” e ser “uma pessoa experiente, habituada a contactar com os meios de comunicação social”.

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No final da sessão chegou a sentença: uma multa de 4950€ por crime de atentado à liberdade de imprensa e por atentado à liberdade de informação. Depois do que aconteceu, Ricardo Rodrigues isolou-se nos Açores, onde encetou uma carreira como autarca local. Atualmente é presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do campo, uma pequena localidade com cerca de 11 mil habitantes.

Pode, por isso, concluir-se que Duarte Marques tem razão no seu argumento apresentado no Expresso. Mais: a sua razão estende-se a outros casos por si apontados, como a tentativa, por parte de militantes socialistas ligados a José Sócrates, de mudar ou escolher diretores e administradores de jornais ou a intenção de comprar, através da Portugal Telecom, um canal de televisão (a TVI), que se encontra profusamente documentada através de escutas telefónicas que constam do processo Face Oculta.

Declaração de interesses: o autor deste texto foi um dos dois jornalistas (a outra profissional presente era Maria Henrique Espada, ainda hoje a trabalhar na Sábado) a quem foram subtraídos os gravadores, tendo, por isso, conhecimento aprofundado sobre a matéria em causa.

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