“Em Portugal, já há dois jovens, por semana, a ‘mudar de sexo’. 80% deles, são raparigas. Na Escola António Arroio, 70% dos estudantes declaram-se LGBT+ e há cada vez mais raparigas com duplas mastectomias feitas. O efeito contágio não pára de aumentar. Urge fazer algo!”, lê-se num tweet feito por Maria Helena Costa, presidente da Associação Família Conservadora, conhecida pelas críticas àquilo que chama “ideologia de género”.
Através da menção no tweet de uma escola secundária, pode concluir-se que se estará a referir a jovens menores de idade e, como tal, depreende-se que o que estará aqui em causa é a mudança de género no registo civil, processo que não envolve qualquer cirurgia de reatribuição de sexo, mas que carece de conhecimento e autorização de um responsável legal.
Tendo um ano 52 semanas, teria de haver registo de cerca de 100 menores a terem mudado de género, mas os números do último ano não confirmam a narrativa. Segundo um balanço pedido pelo jornal “Público” ao Ministério da Justiça, com dados até 21 de dezembro de 2023, 69 jovens (com 16 e 17 anos) viram oficializado, nos documentos de identificação, o género com que se identificam em 2023. Um aumento de 53% em relação a 2022, quando 45 menores tinham feito o mesmo pedido, mas, ainda assim, não se traduzindo numa média de dois menores por semana. Desses 69 menores, não há qualquer indicação de que 80% sejam raparigas.
Além disso, importa esclarecer que esta mudança de género é documental, uma vez que a redesignação de género através de procedimentos cirúrgicos só pode ser realizada quando o indivíduo atinge a maioridade (a menos que exista risco para a saúde) e mediante um longo processo. Importa também referir que uma mudança de género não pressupõe obrigatoriamente a passagem por procedimentos cirúrgicos, é o indivíduo que define a necessidade ou não dessa alteração física.
A mudança de género está inscrita na Lei n.º 38/2018, que atribui aos cidadãos o “direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa”.
No Artigo 7.º (Legitimidade) estabelece-se que “têm legitimidade para requerer o procedimento de mudança da menção do sexo no registo civil e da consequente alteração de nome próprio as pessoas de nacionalidade portuguesa, maiores de idade e que não se mostrem interditas ou inabilitadas por anomalia psíquica, cuja identidade de género não corresponda ao sexo atribuído à nascença”. No caso de menores, entre os 16 e 18 anos, podem requerer este procedimento apenas com o conhecimento e autorização dos seus representantes legais.
Já as modificações ao nível do corpo e das características sexuais estão inscritas no artigo 5.º desta lei em que se determina que, excluindo as “situações de comprovado risco para a sua saúde”, todos os “tratamentos e as intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza que impliquem modificações ao nível do corpo e das características sexuais da pessoa menor intersexo não devem ser realizados até ao momento em que se manifeste a sua identidade de género”.
Estas não são feitas no imediato, implicam avaliação médica, realização de exames e dois diagnósticos para se pode avançar para a terapêutica hormonal e eventuais procedimentos cirúrgicos. O processo é descrito na “Estratégia de Saúde para as pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo“, que explica, em três níveis, como funciona a rede de cuidados para pessoas trans.
Num primeiro momento intervêm os Cuidados de Saúde Primários – CSP, uma “porta de entrada” no Serviço Nacional de Saúde para “as pessoas trans que possam pretender intervenções médicas e/ou cirúrgicas de reatribuição de sexo”. Segue-se o “acolhimento, avaliação clínica, referenciação ao segundo nível de intervenção e seguimento continuado destas situações”. O acompanhamento é feito quer no decorrer dos procedimentos médicos “por vezes demorados, quer, ainda, ao tempo posterior ao processo de reatribuição de sexo”.
Num segundo nível, já em contexto hospitalar, estas pessoas têm “apoio, avaliação e acompanhamento” em contexto de “Consulta de Sexologia por profissional de Saúde Mental, em particular no que respeita a critérios clínicos e elegibilidade de cada situação para os procedimentos médicos e cirúrgicos de reatribuição de sexo”. Segue-se a “realização de procedimentos médicos e/ou cirúrgicos” e o “acompanhamento à posteriori das diversas intervenções efetuadas, tanto a nível do CIE
como de outros serviços protocolados.
O último nível desta rede é onde se situa o “Centro de Intervenção Especializada (CIE)”, onde “podem ser realizados todos os procedimentos médicos e cirúrgicos de reatribuição/reconfiguração de sexo”.
No que diz respeito às mastectomias referidas no tweet, tal como já referido, trata-se de um procedimento cirúrgico que, caso seja intenção da pessoa em causa, terá de ser precedido por uma série de exames e avaliação médica até à sua concretização.
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Avaliação do Polígrafo: