“Aborto já está previsto na Constituição. Em caso de estupro [violação]; Risco para a gestante; Anencefalia. O que essa gente quer mesmo, é a liberação do aborto para esconder suas promiscuidades”, acusa-se num tweet de 17 de junho, com origem no Brasil.
Esta alegação tem vindo a ser difundida nas redes sociais no contexto do debate em curso sobre o Projeto de Lei 1904/2024, uma iniciativa legislativa que visa equipar o aborto (ou interrupção voluntária da gravidez) após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples.
É um tema polémico e que divide a sociedade brasileira. O carácter de urgência do Projeto de Lei (PL) foi entretanto aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 12 de junho, com 33 representantes a assumirem posição favorável ao que tem sido denominado como “PL do estupro“.
A proposta consiste em alterar o Código Penal de forma a impor penas de até 20 anos de prisão a quem realizar abortos em gestações de mais de 22 semanas, mesmo em casos de violação.
Mas o facto é que na Constituição da República Federativa do Brasil não há qualquer menção ao aborto ou interrupção voluntária da gravidez. O mesmo não se aplica ao Código Penal.
A AFP Checamos consultou especialistas sobre a matéria, tendo chegado à conclusão de que é falso que já esteja previsto na Constituição que uma mulher grávida na sequência de uma violação possa abortar. Esta possibilidade está apenas prevista no Código Penal, precisamente a legislação que seria alvo de alteração pelo Projeto de Lei 1904/2024.
Consultado o Código Penal brasileiro, verifica-se que o aborto e as suas consequências estão previstos entre o artigo 124 e o artigo 128, mas sem definir tempos de gestação. No que diz respeito às gravidezes resultantes de uma violação, o artigo 128 prevê que os médicos que praticam aborto não sejam punidos nessa situação “e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.
Também quando “não há outro meio de salvar a vida da gestante”, o médico não sofre qualquer consequência.
Adriana Ancona de Faria, doutorada em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), indicou à AFP Checamos que o que está prevista na Constituição brasileira é a “dignidade humana” que, do ponto de vista da especialista, “garante a liberdade da mulher decidir sobre o aborto”. Ainda assim, afirma que esse entendimento “não está fechado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que é quem pode interpretar a Constituição”.
Por sua vez, Helena Regina Lobo da Costa, doutorada em Direito Penal e professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, apontou que “a dignidade humana orienta essa interpretação” e, nesse sentido, deve-se procurar “não excluir um dos direitos, mas limitar o mínimo possível”.
Faria defendeu ainda que a Constituição protegeria o direito de uma mulher violada de realizar um aborto, uma vez que se trata da “dignidade mínima do ser humano”, no entanto, “não há previsão constitucional sobre isso, não há um artigo na Constituição que diga isso“.
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