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Deputados do PCP recebem salário equivalente ao da respetiva profissão fora da política?

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Em publicação difundida nas redes sociais destaca-se que os deputados do PCP são os únicos na Assembleia da República que "não são beneficiados financeiramente por exercerem o cargo, auferindo o mesmo vencimento que receberiam a exercer as suas profissões". Mais, garante-se que o PCP "é também o único partido que desde sempre se opôs às subvenções vitalícias".

“Você sabia que…? A Assembleia da República tem 230 deputados, só 10 deputados é que não são beneficiados financeiramente por exercerem o cargo de deputado, auferindo o mesmo vencimento que receberiam a exercer as suas profissões. São todos e unicamente os eleitos do Partido Comunista Português (PCP)”, lê-se no post datado de 26 de agosto.

“O PCP defende e pratica o princípio de que os comunistas não devem ser nem beneficiados, nem prejudicados financeiramente pelo exercício de cargos públicos, princípio que os diferencia das outras forças políticas, seja durante o exercício desses cargos, seja após o seu exercício. É também o único partido que desde sempre se opôs às subvenções vitalícias“, conclui-se.

De facto, os deputados do PCP recebem o salário por inteiro na Assembleia da República, mas entregam uma parte do mesmo ao partido. Trata-se de uma prática corrente no partido, desde há décadas.

A regra que vigora no PCP é que os deputados retenham apenas um valor equivalente ao do salário que auferiam antes de serem eleitos. No caso do secretário-geral Jerónimo de Sousa, por diversas vezes já foi noticiado que fica apenas com cerca de 750 euros mensais do salário de deputado (de um total de cerca de 4 mil euros brutos), valor correspondente ao que auferia no exercício da sua profissão: operário metalúrgico.

Esse remanescente dos salários dos deputados que é entregue ao partido está, aliás, registado nas Contas Anuais do PCP, facultadas à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) que funciona junto do Tribunal Constitucional. Em 2020, no total, o partido recebeu dessa forma mais de um milhão de euros (pode conferir aqui).

Questionada pelo Polígrafo sobre esta matéria, Ana Mesquita, atual deputada do PCP, confirma a existência dessa prática: “Nós temos um compromisso que firmamos para a assunção do cargo em como não somos nem beneficiados nem prejudicados. Ou seja, no meu caso, eu era uma trabalhadora de arqueologia com vínculo precário, trabalhava a recibos verdes, e portanto estimou-se… Fez-se o cálculo relativamente ao que corresponderia a isso e é o que eu aufiro“.

“E depois o remanescente nós não usamos para benefício pessoal e é colocado à disposição para utilização para aquilo que nós, coletivamente, consideramos que é o exercício do trabalho. Aquilo que consideramos é que, efetivamente, não faria sentido nós ficarmos com essa diferença, ficando com o ordenado por inteiro. E portanto colocamos à disposição esse remanescente e depois ele é utilizado naturalmente não em nosso benefício, mas em benefício dos trabalhadores e do povo“, sublinha a deputada comunista.

 

Subvenções vitalícias? “Exagerado”, “inadmissível”, “escandaloso”

Relativamente às subvenções mensais vitalícias de ex-políticos, é um facto que o PCP votou contra a instituição desse privilégio na Assembleia da República, entre o final de 1984 e início de 1985. Mas vários membros (e ex-membros) do partido são atuais beneficiários dessas mesmas subvenções.

No dia 7 de dezembro de 1984, ainda sob a vigência do programa de assistência financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Assembleia da República aprovou dois projectos de lei: o “Estatuto dos Deputados” e o “Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Públicos”. No dia 20 de fevereiro de 1985, contudo, o Presidente da República, António Ramalho Eanes, vetou o diploma referente ao “Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Públicos”.

Ramalho Eanes expressou reservas quanto à “consagração, sem discriminação suficiente dos casos em que a particular dignidade da função o exige, de condições estatutárias especiais que, pelo seu alcance e pela interpretação negativa de que é susceptível, mormente numa particular situação de crise e de dificuldade como a que se vive entre nós, contribua para que, de um modo ou de outro, se crie no país a convicção de que o exercício de funções políticas pode justificar a atribuição aos seus titulares de especiais benefícios, designadamente de natureza pecuniária“.

Em conclusão, “ao exercer o direito de veto político, o Presidente da República pretende que a Assembleia da República, em nova apreciação do diploma, pondere a oportunidade, face às descritas condições de dificuldades nacionais, da consagração dos benefícios constantes do título II do Decreto n.º 116/III (Subvenções dos Titulares de Cargos Políticos), nos termos em que se encontra feita”.

Apesar do veto presidencial, a AR voltou a aprovar o “Estatuto remuneratório dos titulares de cargos públicos”, sem alterações subs-tanciais, a 13 de março de 1985, com 153 votos a favor (PS, PSD e ASDI) e 58 votos contra (PCP, CDS e UED). Antes da votação, o deputado José Luís Nunes, do PS, tomou a palavra para criticar a posição assumida por Ramalho Eanes. “Ao promulgar o seu próprio Estatuto Remuneratório, o Presidente da República reconheceu a moderação com que a Assembleia da República atuara. Ao vetar idênticas disposições no estatuto dos titulares de cargos políticos, sua excelência adoptou um critério mais estrito e mais severo do que adoptara quando julgara em causa própria“.

Carlos Brito, deputado do PCP, interpelou José Luís Nunes: “Eu gostaria que vossa excelência nos desse alguns exemplos, em relação não às remunerações, pois essa questão foi aqui muito discutida aquando da primeira votação deste diploma, mas em relação às subvenções atribuídas noutros países, onde haja um tratamento tão privilegiado nesta matéria como neste diploma em relação aos deputados e a qualquer membro do Governo português. Dê -nos exemplos disso, pois isso pode ajudar a compreender o exagerado, o inadmissível de muitas das medidas que constam deste diploma, particularmente em matéria das subvenções especiais que aí estão consideradas”.

Na mesma reunião plenária, Carlos Brito voltaria a intervir para justificar o voto contra do PCP. “A Assembleia da República tem hoje a oportunidade constitucional de corrigir um dos seus mais clamorosos erros dos últimos anos, que consistiu na aprovação do Decreto n.º116/III (Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos). Trata -se, como salientámos ao longo do processo legislativo, de um diploma que, criando uma situação de privilégios desmedidos aos membros do Governo e aos deputados, ofende profundamente a maioria do nosso povo que se debate com as maiores dificuldades que lhe são criadas pela política governamental e da maioria parlamentar, desprestigia por isso mesmo as instituições democráticas e tende a divorciá -las do país”.

Zita Seabra, então deputada do PCP, acrescentou: “Mais escandaloso ainda é que qualquer membro do Governo ou deputado, independentemente da sua idade, ganha direito a esta subvenção vitalícia desde que perfaça oito anos de exercício do cargo. Isto é, um deputado, um secretário de Estado, um ministro, ainda jovens, se quiserem retirar-se da vida pública, levam uma pensão vitalícia de 30.976 escudos com oito anos de mandato, 34.848 com nove anos, 38.720 com 10 anos de mandato. Um deputado aos 26 anos pode, por exemplo, ter direito a uma pensão vitalícia quase igual ao salário médio que vigora no país“.

Importa aqui salientar que, depois de ter saído do PCP em 1988, Zita Seabra voltou ao Parlamento em 2005 como deputada do PSD e é hoje uma das beneficiárias da subvenção vitalícia contra a qual se bateu em 1985.

No referido debate, Carlos Brito apontou no mesmo sentido: “Mas o maior de todos os escândalos é que a subvenção vitalícia mensal é acumulável com outras pensões de aposentação e de reforma e até – isto é um escândalo! – outros vencimentos na atividade privada ou até na Função Pública, à excepção de uma pequena lista onde constam cargos políticos, cargos remunerados nas autarquias, cargos de embaixador, de gestor público ou dirigente de instituto público, juiz do Tribunal Constitucional e Provedor de Justiça”. Carlos Brito que se afastou do PCP em 2003 e também é hoje um dos beneficiários da mesma subvenção vitalícia que criticou em 1985.

Inserida no contexto do centenário do Partido Comunista Português (PCP), está a ser divulgada nas redes sociais uma publicação com um "depoimento ficcionado" sobre a conquista das oito horas diárias de trabalho rural por todo o Alentejo, em maio de 1962. O intuito consiste em destacar a participação e relevância do PCP nesta conquista, de extrema importância para o camponês rural. Confirma-se?

A lista oficial de beneficiários de subvenção mensal vitalícia – da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações (CGA) – é pública e a sua versão mais atualizada pode ser consultada na respetiva página institucional.

Há mais casos de deputados do PCP que votaram contra em 1985 mas são atuais beneficiários da subvenção mensal vitalícia, nomeadamente Carlos Carvalhas (ex-líder do PCP), Jerónimo de Sousa (atual líder do PCP, com pagamento suspenso), José Magalhães (atual deputado do PS, também com pagamento suspenso) e Odete Santos (ex-deputada do PCP).

De resto, importa também salientar que as subvenções vitalícias foram revogadas em 2005, embora sem efeitos retroativos, pelo que quem já tinha direito à subvenção continuou a receber. Entre 1985 e 2005, os governantes e deputados (e também os juízes do Tribunal Constitucional) tiveram direito a uma subvenção vitalícia a partir do momento em que completaram oito ou 12 anos de exercício dos cargos (consecutivos ou interpolados), independentemente da respetiva idade.

A subvenção mensal vitalícia é calculada à razão de 4% do vencimento base por ano de exercício, correspondente à data da cessação de funções em regime de exclusividade, até ao limite de 80%. A subvenção vitalícia pode ser acumulada com outras pensões e rendimentos.

Em 2005, por iniciativa do Governo liderado por José Sócrates, o direito à subvenção vitalícia foi revogado. Mas sem efeitos retroativos e criando um regime transitório. Ou seja, quem já recebia, continuou a receber. E quem já tinha direito à subvenção vitalícia até ao momento de revogação em 2005 (isto é, quem já tinha completado 8 ou 12 anos de exercício de cargos), ainda poderia requerer a mesma, nos anos seguintes. Verificou-se, aliás, uma corrida às subvenções vitalícias a partir de 2005, com o número de beneficiários a aumentar substancialmente.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:

Verdadeiro: as principais alegações do conteúdo são factualmente precisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Verdadeiro” ou “Maioritariamente Verdadeiro” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:

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