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DEBATES 2024. Inês Sousa Real: “Mulheres advogadas não têm apoio na maternidade e na doença” [CORREÇÃO]

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
A deputada única do PAN recorreu ao exemplo da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, "a única que continua a ser privada", para criticar a proposta de privatização parcial da Segurança Social dos liberais. Sousa Real argumentou que esta gera desproteção social por não garantir apoios em caso de maternidade ou doença a advogadas e solicitadoras.

Logo ao início do debate nas rádios desta manhã, no âmbito da proposta do IL para privatização parcial da Segurança Social, Inês Sousa Real deu como exemplo a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS).

“Nós temos hoje uma única Caixa que continua a ser privada, a Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados e dos Solicitadores, e sabemos a desproteção social que a mesma tem gerado sobretudo para as mulheres, que são as mais afetadas para a pobreza, porque quando estão em situação de maternidade não têm direito a qualquer apoio“, começou por sublinhar a deputada única do PAN.

E acrescentou: “Portanto, uma mulher para ser mãe hoje em dia, que seja advogada ou solicitadora, não tem um apoio na maternidade que a proteja ou até mesmo na doença. Aliás, esse é um dos desafios da próxima legislatura que é a integração da CPAS na Segurança Social.” Tem razão?

A resposta é negativa.

Os advogados não estão abrangidas pelo regime de Segurança Social – são antes beneficiários de um sistema de previdência autónomo e privado, a CPAS, como referido por Sousa Real. Efetivamente, este sistema não prevê licença de maternidade, mas estipula um “benefício” e, mesmo no que diz respeito à doença, existe um seguro, embora com várias condições.

No site do CPAS é expresso que qualquer beneficiário “terá protecção e incentivos durante toda a vida”. Em início de carreira os beneficiários estão isentos de contribuição durante o estágio, mas podem beneficiar de protecção social caso queiram contribuir.

Através de uma contribuição mensal, os beneficiários têm “protecção e benefícios no que respeita à parentalidade, nomeadamente no benefício de nascimento, no valor de 635,00€ a multiplicar pelo número de filhos” e ainda “o benefício de maternidade, no valor mínimo de 1.905,00 euros e máximo de 3.810,00 euros”. Quanto às despesas de internamento hospitalar por maternidade, a CPAS comparticipa em 15%, com limite máximo de 4.987,98 euros por ano, para os beneficiários que não têm seguro de saúde de grupo CPAS, ou a totalidade das despesas, com limite de 9.975,96 euros por ano, para quem tem seguro do grupo.

Em situação de carência económica, têm acesso a “um subsídio de assistência em caso de comprovada emergência social” e “suspensão temporária da obrigação do pagamento de contribuições em situação de doença grave ou parentalidade”.

Na velhice, os beneficiários da CPAS podem “pedir a pensão de reforma a partir dos 65 anos de idade”, tendo de ter, pelo menos, 10 anos de carreira contributiva na CPAS.

Já em caso de doença, existem “vários apoios, assim como a comparticipação nas despesas de internamento hospitalar e/ou intervenção cirúrgica”, sendo que o valor a reembolsar depende se o beneficiário têm ou não seguro do grupo. Existe ainda um benefício de apoio à recuperação em caso de internamento hospitalar, um seguro de protecção de rendimentos por acidente ou doença ou comparticipação nas despesas com assistência médica e medicamentosa e meios auxiliares de diagnóstico.

Estão ainda previstos um subsídio em caso de invalidez, desde que tenham, pelo menos, 10 anos de carreira contributiva na CPAS, um seguro de acidentes pessoais, um subsídio em caso de morte e um subsídio de funeral. “Por fim, o subsídio de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo e aos filhos”, conclui a CPAS.

O Polígrafo contactou Rita Garcia Pereira, advogada especialista na área de Direito do Trabalho, que explica que “as advogadas não têm direito a baixa médica“, logo, “quando estão doentes têm que invocar justo impedimento, que é um conceito legal mas indeterminado, que depende de juiz para juiz, podendo ou não ser aceite em tribunal”.

Em matéria de apoios, os advogados têm “um subsídio de apoio à maternidade, que depende do escalão em que a pessoa se inscreve para fazer os descontos”. Ou seja, “quem se inscreve pelo escalão mínimo terá direito a um montante mínimo e único. Podemos estar a falar apenas de 300 euros”, frisa Garcia Pereira.

E como funciona? A advogada explica que estes profissionais pagam quotas mensais e escolhem o escalão sobre o qual pretendem contribuir, independentemente do seu rendimento. Portanto, é possível o rendimento ser elevado e escolher-se o escalão mínimo, ou ter um rendimento baixo mas escolher o escalão máximo de contribuição, sendo “em função disso que são atribuídos os subsídios, designadamente o subsídio de maternidade, que é um valor pago de uma única vez e que está indexado ao valor da quota”.

Quanto aos casos de doença, Garcia Pereira diz que existe “um seguro, mas pressupõe que os advogados estejam internados mais de três dias”.

Ou seja, não existe direito a licença de maternidade tal como ele é vulgarmente conhecido e aceite, mas não é correto afirmar que nada está previsto neste domínio, uma vez que a mulher tem o “direito a parar os prazos por um mês”, embora mediante a vontade da profissional e sabendo que, nesse mês, não receberá salário. Quanto à doença, existe o referido seguro, “mas não cobre a maior parte das situações“.

Em conclusão, o argumento de Inês de Sousa Real não pode ser classificado como verdadeiro – as mulheres têm, de facto, previstos benefícios na maternidade e na doença -, embora seja justo reconhecer que os mesmos são escassos e muito inferiores aos que são vulgarmente atribuídos a outras classes profissionais.

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Nota editorial: Na versão inicial deste artigo o Polígrafo avaliou erradamente a alegação da líder do PAN com um “Verdadeiro, mas…”. Fê-lo por considerar que, não beneficiando as advogadas de uma licença de maternidade tal qual ela é vulgarmente encarada na sociedade portuguesa, Sousa Real teria sido rigorosa na sua afirmação. Porém, uma análise mais atenta das declarações da candidata do PAN permite concluir que a avaliação inicial não era a mais indicada. Motivo: Sousa Real afirmou  literalmente que “uma mulher para ser mãe hoje em dia, que seja advogada ou solicitadora, não tem um apoio na maternidade que a proteja ou até mesmo na doença”. Ora, isso não corresponde à verdade. Ainda que fiquem “completamente aquém das exigências mínimas de um Estado de Direito”, como sublinhou a advogada Rita Garcia Pereira, existem vários apoios quer à maternidade, quer à doença. Foi por este motivo que, às 14h15 do dia 4 de março, foi realizada uma edição do fact-check, tendo-se alterado a respetiva classificação.

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Avaliação do Polígrafo:

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