- O que está em causa?Segundo dia de debate na generalidade do Orçamento do Estado para 2022 marcado pela aprovação, desde logo garantida, do documento apresentado pelo Executivo de António Costa na Assembleia da República. Habitação e controlo de rendas foi um dos temas quentes da manhã desta sexta-feira e Pedro Nuno Santos, em resposta a Mariana Mortágua, deputada bloquista, garantiu que "se controlarmos as rendas agravamos a situação que é a retirada de casas do mercado de arrendamento". Tem razão?

"O Sr. ministro tem uma boa teoria e eu concordo com ela: soluções coletivas são garantia de liberdade. Mas a prática do Governo é outra. A prática é que o Governo está sentado em cima de vistos Gold, benefícios fiscais a residentes não habituais, ao alojamento local desenfreado (...) enquanto famílias se comprometiam com empréstimos bancários milionários para conseguirem dois quartos e uma sala com 60 metros quadrados em qualquer centro urbano", começou por acusar Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, em resposta direta a Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação.
"A medida agora anunciada do aumento dos limites máximos da 'Porta 65' é só a prova da incapacidade do Governo para controlar o preço das rendas (...). O PS desistiu e entregou os portugueses à sorte de um mercado livremente hiperinflacionado", prosseguiu Mortágua, condenando ao "desastre" todas as medidas e metas do Governo e questionando Pedro Nuno Santos sobre aquilo que fará o ministro para controlar o preço das rendas.
Em resposta à bloquista, o socialista acusou Mortágua de ter, "na sua intervenção sobre a habitação", pedido ao Estado para subsidiar "rendas especulativas":
"Aquilo que nós fizemos com o Porta 65 foi obviamente tentar adaptá-lo à escalada de preços, mas o Porta 65 nunca é a solução estrutural para os problemas da habitação nem dos jovens. Aquilo que acontece é que o Estado vai acompanhar o movimento especulativo das rendas, consumindo cada vez mais recursos públicos. A solução correta é o investimento público num parque público de habitação, que é o que nós estamos a fazer."
No que respeita ao controlo das rendas, Pedro Nuno Santos disse ainda que "qualquer controlo de rendas neste momento o que faz é desaparecer os senhorios que ainda temos no mercado, não é o contrário. Nós só temos mercado de arrendamento se tivermos gente que quer ser inquilino e gente que quer arrendar a sua própria casa. Se nós controlarmos as rendas aquilo que podemos estar a fazer é agravar a situação que é a retirada de casas do mercado de arrendamento". A solução, reiterou o ministro da Habitação, "é mesmo aquela que estamos a fazer" que, embora "demore", é o trabalho "correto e acertado".
O Bloco contestou por várias vezes durante a intervenção de Pedro Nuno Santos, mas, afinal, quem tem razão?
Um estudo publicado em 2020 por Hanna Kettunen e Hannu Ruonavaara sobre a "regulação do arrendamento na Europa do século XXI", feito em 33 países, mostra que "os Governos estão a retirar-se cada vez mais da intervenção em grande escala no funcionamento dos mercados imobiliários", ao mesmo tempo que "o apoio financeiro à produção de habitação é reduzido a quase nada", o apoio à habitação é "direcionado apenas para os mais necessitados" e "os mercados imobiliários são desregulamentados".
De acordo com o estudo, atualmente ainda existe uma quantidade considerável de regulação de rendas na Europa, embora na maioria dos países, ao todo 17, o mercado seja livre. "Há dez países com sistema de controlo de arrendamento de terceira geração e seis países com sistema de regulação de arrendamento de segunda geração. A tipologia de gerações é utilizada para descrever a 'dureza' do sistema de controlo, já que a regulação na terceira geração é geralmente uma mais leve do que na segunda geração".
Em Portugal, onde não existe qualquer regulação, a percentagem de habitações privadas para arrendamento é de 18%. Ainda assim, o intervalo deste indicador nos países onde, tal como cá, não existe regulação das rendas, as habitações privadas representam apenas 1,7% (Bulgária) a 19,8% (Grécia).
Analisando a tabela relativa a este tópico e à parcela de habitação privada para arrendamento, verificamos que existe uma grande variação entre os diferentes Estados, mediante a regulação ou liberalização do mercado de arrendamento. Nos países onde existe um sistema de regulação das rendas, a percentagem de habitação privada é de 2,9% (na Croácia, onde o aumento da renda dos contratos de arrendamento sem termo é controlado) a 52% (na Suíça, onde o aumento das rendas em todo o tipo de contratos é controlado).

Em Portugal, onde não existe qualquer regulação, a percentagem de habitações privadas para arrendamento é de 18%. Ainda assim, o intervalo deste indicador nos países onde, tal como cá, não existe regulação das rendas, as habitações privadas representam apenas 1,7% (Bulgária) a 19,8% (Grécia).
Em suma, e de acordo com estes dados, a afirmação de Pedro Nuno Santos sobre o desaparecimento de habitações privadas mediante uma regulação das rendas é falaciosa. Nos países onde foi implementado algum tipo de controlo sobre o preço das habitações para arrendamento há, de facto, uma maior percentagem de casas privadas destinadas para este efeito.
