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De seca severa para Barragem do Alqueva quase cheia em 11 meses prova “fraude climática”?

Sociedade
O que está em causa?
No X/Twitter, o líder do partido ADN, Bruno Fialho, junta os títulos de duas notícias - "Barragem de Alqueva a menos de um metro de atingir cota máxima" (abril de 2024) e "Declarado estado de seca severa e extrema em 40% do território português" (maio de 2023) - para denunciar o que diz ser "a fraude climática". Tem razão?
© Agência Lusa / Nuno Veiga

“Onze meses separam estas duas notícias… Aposto que daqui a uns meses vêm novamente com a ladainha da seca extrema. A fraude climática tem de ser denunciada, apenas o ADN o faz”, escreveu o líder do partido ADN, a 2 de abril, na rede social X/Twitter.

Para provar que as alterações climáticas não existem e que é tudo uma “fraude“, Bruno Fialho recorre a duas notícias do jornal “Público” – a primeira de 1 de abril de 2024 informando que a Barragem do Alqueva está “a menos de um metro de atingir a cota máxima”; a segunda de 8 de maio de 2023 informando que foi “declarado estado de seca severa e extrema em 40% do território português”.

Esta sequência de notícias comprova a tese de “fraude climática”?

Em resposta ao Polígrafo, Carlos da Câmara, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e experiente climatologista, assegura que não, desde logo porque o clima de uma dada região engloba “características da coletividade de estados do tempo que afetam essa região ao longo de 30 anos“.

Portanto, “um evento localizado no espaço e no tempo, tal como a cota da barragem do Alqueva em 1 de abril de 2024, não descreve o clima de Portugal na medida em que não permite inferir quaisquer características da coletividade de estados de tempo”.

Remetendo para o Boletim Anual de 2023 do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, Câmara indica que o relatório mostra (na Figura 2.3) que no período 1931-2023, ou seja, num espaço de 93 anos, “os anos de 2022 e 2023 ocupam o 1.º e 2.º lugares entre os mais quentes desse período e também que 16 dos 30 anos mais quentes ocorreram nos últimos 24 anos (entre 2000 e 2023)”.

Já na Figura 2.7 constata-se que “entre 2019 e 2023 observaram-se cinco anos consecutivos com precipitação anual abaixo da média para o período de referência 1981-2010 (30 anos), entre 2014 e 2023 observou-se precipitação anual abaixo da média de referência em sete desses 10 anos e ainda entre 2004 e 2023 observou-se precipitação anual abaixo da média em 14 desses 20 anos, tendo-se também observado neste período os quatro anos com menor precipitação (de entre os 93 anos considerados)”.

Em suma, todos os “dados indicam claramente que, entre 1931 e 2023, se deram alterações na estrutura dos estados de tempo, traduzidas por um aumento da temperatura média anual e por um decréscimo da precipitação anual, alterações essas que constituem um forte indicativo de uma mudança climática em curso”.

Os dois eventos mencionados por Fialho não podem assim ser utilizados para denunciar qualquer “fraude climática”, até porque os dados provam precisamente o contrário.

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Avaliação do Polígrafo:

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