Arrancaram esta manhã buscas da PSP na residência oficial do primeiro-ministro António Costa e ministérios do Ambiente e Infra-estruturas no âmbito de um inquérito dirigido pelo Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que investiga "factos suscetíveis de constituir crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência" nos negócios do hidrogénio verde e do lítio.

De acordo com comunicado do Ministério Público foram ordenadas 17 buscas domiciliárias, cinco buscas em escritórios e domicílios de advogados e 20 buscas não domiciliárias em espaços utilizados pelo chefe do gabinete do Primeiro-Ministro, no Ministério do Ambiente e da Ação Climática, no Ministério das Infraestruturas e na Secretaria de Estado da Energia e Clima, na Câmara Municipal de Sines; e sede ou espaços de outras entidades públicas e de empresas.

Em resultado foram detidos o chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, o consultor próximo de Costa, Diogo Lacerda Machado, e o presidente da Câmara de Sines, o socialista Nuno Mascarenhas, assim como dois executivos de empresas.

A somar a estas detenções, estão sob suspeita do Ministério Público os ministros Duarte Cordeiro e João Galamba, bem como o ex-ministro João Pedro Matos Fernandes, segundo noticiou o jornal Público. Também o Primeiro-Ministro está a ser investigado num inquérito autónomo.

Aberta a crise no Governo, o Polígrafo recorda as polémicas que nem sempre culminaram em demissões dos envolvidos, começando exatamente pelo negócio do hidrogénio verde.

Hidrogénio verde

Em novembro de 2020, perante a revelação de que o então ministro de Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira, e o secretário de Estado da Energia, João Galamba, estavam a ser investigados num processo de averiguação a "indícios de tráfico de influências e de corrupção, entre outros crimes económico-financeiros", o primeiro-ministro ressalvou que os dois governantes não eram suspeitos e garantiu estar "absolutamente descansado" em relação a esse caso.

"Há um comunicado da Procuradoria-Geral da República dizendo que há uma investigação em aberto, mas que não há sequer suspeitos. Portanto, não há uma investigação do ministro, nem investigação do secretário de Estado. As investigações pressupõem a existência de suspeitos", declarou à data Costa.

Siza Vieira acabou por não ser reconduzido no cargo na mudança de Governo em 2022, mas Galamba transitou para o novo Governo, acumulando aliás a pasta da Energia e sob a liderança de um ministro diferente, Duarte Cordeiro. Por seu lado, Siza Vieira retomou a atividade profissional originária de advogado, novo sócio da firma PLMJ. Galamba avançou inclusive com com queixa-crime por calúnia na sequência da investigação noticiada pela revista "Sábado", sobre alegadas suspeitas de corrupção ligadas aos projectos do hidrogénio verde.

Três anos depois, Duarte Cordeiro, João Galamba e Matos Fernandes serão constituídos arguidos.

"Galpgate"

Passando ao denominado caso "Galpgate", no qual o Ministério Público acusou 18 dos 26 arguidos do caso das viagens ao Euro 2016 que a Galp pagou a governantes e autarcas, que se viram então suspeitos do crime de recebimento indevido de vantagem. Além de assessores e chefes de gabinete, os três secretários de Estado - Jorge Oliveira, Fernando Rocha Andrade e João Vasconcelos (os dois últimos entretanto faleceram) - foram acusados e acabaram por se demitir em 2017.

Interrogado, ainda em 2016, sobre se os membros do seu Executivo estariam em condições de continuar nos cargos, Costa reforçou a confiança política nos secretários de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, da Indústria, João Vasconcelos, e da Internacionalização, Jorge Oliveira: "Quanto ao exercício de funções dos três secretários de Estado, não há a menor das dúvidas. Quer o primeiro-ministro, quer os respetivos ministros, manifestaram total confiança política nesses três secretários de Estado que estão a desenvolver um excelente trabalho e que vão continuar a desenvolver um excelente trabalho."

Golas "anti-fumo"

Artur Neves, ex-secretário de Estado da Proteção Civil, foi formalmente acusado em julho deste ano pelo Ministério Público depois de lhe ser imputada a prática de factos que consubstanciam crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação económica em negócio e abuso de poder no caso das golas anti-fumo.

No epicentro deste caso estão as cerca de 70 mil golas anti-fumo que foram distribuídas no âmbito dos programas de sensibilização sobre incêndios "Aldeias Seguras" e "Pessoas Seguras", as quais, além de serem produzidas com material supostamente inflamável, terão custado o dobro do preço à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) do que "aquilo que custariam a valores normais", segundo informou o "Jornal de Notícias" em julho de 2019.

Posteriormente, a Procuradoria-Geral da República abriu um inquérito e a Polícia Judiciária realizou buscas no Ministério da Administração Interna, envolvendo o então secretário de Estado da Proteção Civil, Artur Neves, logo após a demissão do seu adjunto Francisco Ferreira, responsável pelo contacto com as empresas Foxtrot Aventura e Brain One para a produção dos kits de emergência que continham as polémicas golas anti-fumo. Artur Neves também não resistiu à polémica e em setembro de 2019, mês em que foi constituído arguido pelo Ministério Público, acabou por se demitir, dois anos depois de ter tomado posse.

Bilhetes para o futebol e armas de Tancos

A polémica envolvendo o ex-ministro das Finanças, Mário Centeno, constitui um dos casos em que a investigação por parte do Ministério Público não custou nenhum lugar no Governo. Centeno, que nunca chegou a ser acusado, terá pedido a um assessor diplomático dois convites para o camarote presidencial do Estádio da Luz, em Lisboa, para assistir ao jogo de futebol entre o SL Benfica e o FC Porto, em abril de 2017.

O Ministério Público arquivou o inquérito, mas a saída de Centeno nunca esteve sequer em causa: "O professor Mário Centeno é uma pessoa de enorme dignidade e seriedade que tem prestado serviços de grande relevância para o país, em quem mantenho toda a confiança e que em circunstância alguma sairá do Governo", afirmou à data o primeiro-ministro, que viu o seu ministro das Finanças sair em 2020, para assumir o cargo de governador do Banco de Portugal.

Destino diferente teve José Azeredo Lopes, que se demitiu em 2018 na sequência do processo de roubo de armas dos Paióis de Tancos. O ex-ministro da Defesa Nacional foi acusado dos crimes de denegação de Justiça e prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder e denegação de Justiça.

Sobre este caso, Costa afirmou, em outubro de 2018, ao jornal "Expresso", que "quer o senhor ministro da Defesa Nacional, quer o tenente general Martins Pereira, que era então seu chefe de gabinete, já fizeram um desmentido absolutamente categórico de notícias que têm vindo a lume de factos que lhe teriam sido imputados. Não vejo nenhuma razão para alterar essa confiança".

Atropelamento na A6

Começou por ser ministro Adjunto do primeiro-ministro até 2017, altura em que substituiu Constança Urbano de Sousa na pasta da Administração Interna, ainda no rescaldo dos trágicos incêndios florestais que assolaram o país nesse ano. Eduardo Cabrita protagonizou uma série de polémicas, sobretudo entre 2020 e 2021, mas manteve sempre a confiança política de Costa.

Acabaria por se demitir em dezembro de 2021, só depois de ser conhecida a acusação do Ministério Público no caso do trágico acidente que matou um trabalhador na auto-estrada A6 (Marateca-Caia), no dia 2 de julho, provocado por uma viatura oficial ao serviço do ministro da Administração Interna que circulava em comprovado excesso de velocidade. E na qual seguia Cabrita, como "passageiro", segundo a descrição do próprio na manhã do dia 3 de dezembro, poucas horas antes de anunciar a demissão do cargo de ministro.

Mais recentemente, em maio de 2022, o Ministério Público anunciou a decisão de arquivar os processos contra o ex-ministro da Administração Interna e aquele que na altura era o seu chefe de segurança, no caso do atropelamento. Mantém-se apenas a acusação ao motorista do veículo.

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