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Crianças que “não respeitem os pais, roubem ou fumem” são obrigadas a passar sete dias numa prisão nos EUA?

Internacional
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
A garantia de que menores com determinados comportamentos incorretos passarão sete dias num estabelecimento prisional tem sido propagada pelo Facebook. A mensagem em causa é acompanhada por um vídeo de crianças e adolescentes numa cadeia. Mas será que as imagens correspondem à alegação?

“Nos Estados Unidos as crianças que não respeitem os seus pais, que roubem e que fumem irão a uma prisão por sete dias para que aprendam a respeitar os seus pais.” Esta frase serve de legenda a uma das várias partilhas no Facebook de um vídeo com cerca de nove minutos no qual é possível ver diversas interações de crianças e adolescentes com presos e guardas prisionais.

Trata-se de uma reportagem do programa televisivo americano Crime Watch Daily (que depois se chamaria True Crime Daily), emitida em maio de 2016 – e que tem sido propagada nas redes sociais ao longo dos últimos anos. O trabalho jornalístico começa com as imagens de uma criança de 9 anos, vestida com farda prisional, a chorar desesperada à porta de uma cela, pedindo para não entrar. Perante a recusa, dois guardas prisionais levantam-na pelo ar para a transportar com maior facilidade para dentro da divisão, onde o espera um presidiário com ar ameaçador. “Vai lá e rouba algo” é uma das frases ditas por um guarda à criança.

Ao longo da reportagem são mostradas outras cenas com adolescentes em pânico por estarem na prisão em contacto com condenados e difundidos depoimentos de autoridades locais (juíza e xerife da região onde a reportagem foi efetuada), de uma mãe e de uma psicóloga.

O vídeo comprova que crianças com comportamentos incorrectos são obrigadas a passar sete dias numa prisão?

A reportagem do Crime Watch Daily centra-se no programa de prevenção de delinquência infantil e juvenil “Considerer the Consequences”, promovido pelo condado de Bibb, no estado da Geórgia, Estados Unidos. Criado em maio de 2015, este curso era destinado a jovens entre os nove e 16 anos com comportamentos considerados desviantes (consumo de drogas e álcool, agressões, roubos, entre outros) e tinha como pressuposto obrigatório a autorização dos pais, ou seja, não era coercivo, apesar da colaboração do tribunal local.

A reportagem do Crime Watch Daily centra-se no programa de prevenção de delinquência infantil e juvenil “Considerer the Consequences”, promovido pelo condado de Bibb, no estado da Geórgia, Estados Unidos. Criado em maio de 2015, este curso era destinado a jovens entre os nove e 16 anos com comportamentos considerados desviantes (consumo de drogas e álcool, agressões, roubos, entre outros) e tinha como pressuposto obrigatório a autorização dos pais, ou seja, não era coercivo, apesar da colaboração do tribunal local.

O programa consistia na permanência durante oito horas numa cadeia com o objetivo de mostrar aos participantes o real significado da vida num estabelecimento prisional e as “consequências do envolvimento” em atos deliquentes.

O “Considerer the Consequences” acabou por ser suspenso na sequência da polémica gerada pela referida  reportagem. Nesta, a psicóloga clínica ouvida alertava que “as consequências de um programa como este são nefastas” e que os efeitos dessa jornada na prisão, a longo prazo, podiam ser a opção pelo “caminho do crime”.

Os “Programas de Consciencialização Juvenil” (designados por “Scared Straight”) são habituais nos Estados Unidos e têm graus de intensidade e exposição dos menores muito diversos. Ainda assim, desde 2011, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (através do National Institute of Justice) desaconselha a participação nos mesmos. Existe inclusive uma recomendação formal nesse sentido (emitida em setembro de 2013), pois considera-se que integrar estas experiências “aumenta as possibilidades de os jovens cometerem crimes no futuro”. Segundo esta agência governamental, “as taxas de reincidência foram em média maiores” para os participantes desses programas comparativamente aos jovens com os quais foi seguida a via convencional de abordagem para comportamentos desviantes.

Ainda assim, desde 2011, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (através do National Institute of Justice) desaconselha a participação nos mesmos. Existe inclusive uma recomendação formal nesse sentido (emitida em setembro de 2013), pois considera-se que integrar estas experiências “aumenta as possibilidades de os jovens cometerem crimes no futuro”.

Em suma, é falso que crianças que não respeitem os seus pais, que roubem ou fumem tenham de cumprir uma reclusão de sete dias nos EUA. O vídeo a circular no Facebook é uma reportagem sobre um programa cuja duração é de oito horas e depende da autorização dos pais. Não só o mesmo era aplicado numa região específica – não sendo universal, ao contrário do que se anuncia -, como as autoridades desaconselham a participação em eventos idênticos, comuns nos EUA. 

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebookeste conteúdo é:

Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente Falso” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafoeste conteúdo é:

 

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