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Covid-19. “As vacinas foram pagas com dinheiro público, mas são propriedade privada”?

Coronavírus
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
A alegação está a ser difundida num "tweet" do Bloco de Esquerda e suscita dúvidas. O Polígrafo verifica se o desenvolvimento das vacinas foi assegurado maioritariamente por dinheiro público, ou se os apoios privados também entraram nas contas.

“Foi o dinheiro público que pagou o processo de investigação e que garante a compra total das vacinas [contra a Covid-19]. No entanto, continuam a ser as farmacêuticas a controlar todo o processo de produção e distribuição, não libertando as patentes”, critica-se no tweet do Bloco de Esquerda, publicado no dia 11 de março. Os bloquistas defendem uma urgente “libertação das patentes“, o que “significaria aumentar drasticamente a produção e alargá-la à escala global, permitindo uma rápida vacinação de toda a população do mundo”.

“As vacinas foram pagas com dinheiro público, mas são propriedade privada“, sintetiza-se na imagem do tweet, carimbada com o símbolo do partido. Essa alegação tem fundamento?

Entre os líderes dos maiores Estados, governos de todo o mundo e doadores, a injeção de milhares de milhões de euros deu abertura a projetos de criação e testes de uma vacina à altura inexistente. Foi um processo moroso e instável que parecia ter tudo para afastar os privados da equação, pelo menos numa primeira fase. E assim aconteceu. O início da investigação foi marcado pela ausência das empresas na linha da frente do financiamento. Isto porque a criação deste tipo de prevenção, especialmente no caso de emergências de saúde, como uma pandemia, não demonstrou ser muito lucrativa no passado.

Em dezembro de 2020, a BBC publicou um gráfico com dados sobre quem financiou as vacinas contra a Covid-19: ou os governos, ou o setor privado, ou organizações sem fins lucrativos; a azul, vermelho e amarelo, respetivamente. Este gráfico é atualizado desde a primeira publicação do artigo, pelo que falamos de proporções atuais e corretas, e sugere que, no geral, as empresas privadas investiram milhares de milhões de euros no desenvolvimento das vacinas. Um valor bastante mais alto do que aquele investido pelo setor público.

No total, dos quase 19 mil milhões de euros investidos nas nove vacinas, 11 mil milhões foram assegurados pelos privados, ou seja, quase 60%. Em segundo lugar ficam os governos, com doações na ordem dos 6,5 mil milhões de euros e, finalmente, as organizações sem fins lucrativos, que participaram com cerca de 1,5 mil milhões de euros na criação e desenvolvimento das vacinas.

Não obstante esta primeira análise, não podemos deixar de referir que o processo até à finalização da vacina contou com avultado financiamento público dos Estados, principalmente quando nos referimos à investigação que possibilitou a tecnologia mRNA. 

Questionada pelo Polígrafo, fonte oficial do Bloco de Esquerda sublinha que “o financiamento da vacina contou com um abundante financiamento público dos Estados”, mas que este fundo caiu essencialmente sobre a “chamada investigação fundamental, que possibilitou a tecnologia mRNA, e também na aplicação desses resultados a uma vacina no prazo de um ano”.

As vacinas mRNA são consideradas, em teoria, mais seguras, por não introduzirem elementos infeciosos no corpo, e são também mais rápidas e baratas de produzir, uma vez que não exigem a criação e o enfraquecimento do próprio vírus. 

Para este esforço contribuíram o programa norte-americano “Warp Speed“, uma parceria público-privada criada pela Administração de Donald Trump, assim como o Governo da Alemanha e o Banco Europeu de Investimento que financiaram o desenvolvimento e garantiram as compras subsequentes.

Quanto ao levantamento das patentes das vacinas, além de vários partidos políticos portugueses, também a Organização Mundial da Saúde (OMS) se fez ouvir, realçando que subsistem várias barreiras para aumentar o volume e a rapidez de produção das vacinas, desde os bloqueios à exportação até à escassez de matérias-primas, incluindo o vidro para os frascos e o plástico para as seringas.

No início de março, o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, apresentou quatro soluções para contornar estas dificuldades, nomeadamente o levantamento das patentes dos laboratórios farmacêuticos.

Concluindo, a alegação de que o financiamento das vacinas foi garantido através de dinheiro público é imprecisa, uma vez que as empresas também contribuíram – aliás, em valor superior – para que estas fossem produzidas. Ainda assim, é inegável a participação dos Estados no processo de investigação, numa altura em que as vacinas ainda não garantiam qualquer tipo de eficácia ou lucro.

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Avaliação do Polígrafo:

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