- O que está em causa?António Costa (PS) chamou-lhe uma "bravata ideológica", Rui Rio (PSD) disse ser a formulação "mais adequada". Falavam no debate de ontem sobre a definição constitucional do que deve ser o Serviço Nacional de Saúde (SNS) para os portugueses. Mas será que Rio apresentou uma proposta que resultaria em distinção de classes no acesso ao SNS, como descreveu Costa?

Depois de se ter falado em médicos de família, e de Rui Rio ter lembrado António Costa das promessas que ficaram por cumprir nos seus Governos, foi a vez de o primeiro-ministro contra-atacar e apontar ao líder do PSD as suas iniciativas mais "interessantes":
"Em matéria de público e privado, ainda bem que Rui Rio há pouco falou da revisão constitucional. Nunca a apresentou, mas agora apresentou umas folhinhas que designou de 'linhas gerais'. E sobre saúde diz uma coisa muito interessante: 'Acesso a cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde não pode, em caso algum, ser recusado por insuficiência de meios económicos. Parece tudo bem. Agora, porque é que em vez de dizer que é tendencialmente gratuito, vem dizer que não é recusado por razões económicas?"
Para o líder do PS, "só há uma explicação". A saber: "É que pretendem que a classe média, que hoje beneficia de ser tendencialmente gratuito, tenha que passar a pagar os cuidados de saúde. Ou então não se justifica qualquer alteração à Constituição."
Na resposta, Rui Rio não negou a afirmação de Costa. Pelo contrário: "Até lhe devo dizer que isso foi um debate que tivemos na comissão de revisão constitucional interna e chegámos à conclusão de que esta é uma formulação mais adequada do que o termo 'tendencialmente gratuito'". Motivo apresentado: "Nós temos que distinguir entre aqueles que podem e aqueles que não podem".
Nesse sentido, o PSD defende que, não sendo uma diferença muito grande, esta alteração representa uma nuance que o partido entende "como correta" do ponto de vista ideológico.
Na sua mais recente proposta de revisão constitucional, apresentada em Coimbra a 9 de julho de 2021, o partido liderado por Rio prevê que, tal como citou Costa, o "acesso a cuidados de saúde do serviço nacional de saúde" não seja, em caso algum, "recusado por insuficiência de meios económicos".
Esta nova definição anula aquela que o Artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa estabelece para o conceito de Serviço Nacional de Saúde: "Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover" e "o direito à proteção da saúde é realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito".
Tal como admitiu no debate, Rio quer que o SNS passe a funcionar de acordo com as possibilidades financeiras dos seus utentes, uma ideia que não é nova para os sociais-democratas.
A nova formulação que o PSD defende para a revisão da Constituição aparentemente não coincide com aquilo que anuncia no programa eleitoral que apresenta às legislativas de 30 de janeiro, em que defende que a principal função do SNS deve ser o "cumprimento da Constituição, ou seja, garantir o acesso de todos os portugueses aos cuidados de saúde, de forma justa e equitativa e tendencialmente gratuita".
De qualquer modo, o que se encontra em avaliação neste fact-check é a declaração de Costa no debate, em que afirmou que, na sua proposta de revisão constitucional - e não no programa eleitoral - Rio aboliu a dimensão tendencialmente gratuita do SNS. E isso é verdadeiro, sem margem para dúvidas, tendo sido confirmado pelo próprio líder do PSD.
Nota editorial: Este artigo foi atualizado no dia 21 de Janeiro com uma clarificação sobre o âmbito das declarações de António Costa, que no debate televisivo se centraram inteiramente na proposta de revisão constitucional apresentada pelo PSD. A avaliação não sofreu alteração.
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Avaliação do Polígrafo:
