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Conviver com cães aumenta o risco de contrair Covid-19 em 78%?

Coronavírus
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Está a ser propagado nas redes sociais um artigo destacando em título que "conviver com cães aumenta o risco de contrair Covid-19 em 78%". A publicação tem como base um suposto estudo realizado em Espanha e no qual se terá concluído que, de entre várias atividades, "fazer compras em supermercados com entrega ao domicílio" e "viver com cães" contribuíram para o aumento do contágio pelo novo coronavírus. Confirma-se?

“De acordo com a revista Environmental Research, dois factores que contribuíram para aumentar o risco de contágio de Covid-19 foi fazer compras nos supermercados com entrega ao domicílio e viver com cães. Este estudo foi realizado entre os meses de março e maio em Espanha, tendo sido desenvolvido por investigadores da Escola de Saúde Pública da Andaluzia e a Universidade de Granada”, salienta-se no texto do artigo.

“O convívio diário com um cão aumenta o risco de contrair o coronavírus em 78%, segundo essa publicação. Os principais motivos são as caminhadas para ir passear o animal e a ausência de controlo higiénico canino”, acrescenta-se.

Verdade ou falsidade?

O estudo em questão – intitulado como “A propagação do SARS-CoV-2 em Espanha: hábitos de higiene, perfil sociodemográfico, padrões de mobilidade e comorbidades” (tradução livre) – foi publicado na revista científica Environmental Research e sustenta que, entre as mais recorrentes atividades quotidianas, passear o cão é uma das que mais aumenta o risco de contrair o novo coronavírus.

Os investigadores analisaram uma amostra de 2.086 pessoas e concluíram que conviver diariamente com estes animais domésticos faz crescer a probabilidade de ser infetado pelo vírus em 78%. Os autores explicam que “são necessários estudos subsequentes para determinar se o aumento intenso deste risco de infeção de Sars-CoV-2 se deve à contaminação cruzada entre humanos e cães, ou quanto ao conceito do cão enquanto veículo de transmissão, aumentando a exposição ao vírus devido aos seus comportamentos e hábitos pouco higiénicos na rua e posterior regresso a casa”.

Questionado pelo Polígrafo, Celso Cunha, virologista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, defende que “há muitas variáveis a considerar” sobre estas conclusões. O especialista adverte também que “o estudo diz respeito a inquéritos efetuados durante o período de confinamento em Espanha, no qual os hábitos e comportamentos da população se alteraram significativamente”.

Por outro lado, ressalva que os autores do estudo indicam que “cerca de 2/3 da população declarou não usar máscara durante os passeios [com os cães]” e que “uma percentagem significativa admitiu não seguir as recomendações de higiene adequadas à pandemia”. Logo, conclui que “pode haver outros fatores envolvidos que contribuíram para esses resultados”. E exemplifica: “Será que comer chocolate aumenta o risco de contágio? Se calhar aumenta, mas não é por comer chocolate, é sair para o ir comprar“.

“A correlação encontrada pelos autores pode ser devida, por exemplo, a festinhas de pessoas infetadas que contaminaram o pelo do cão e que depois transmitiu o vírus ao dono. Mas isto é pura especulação“, afirma. De qualquer modo, Celso Cunha alerta que “qualquer correlação, como por exemplo as apresentadas neste artigo, nunca são relações de causa-efeito“.

No mesmo sentido aponta António Vaz Carneiro, médico especialista em Medicina Interna e presidente do Conselho Científico do Instituto de Saúde Baseada na Evidência, ao sublinhar que o estudo “é observacional e, portanto, incapaz de estabelecer nexos de causalidade“. Além disso, considera que “falta informação epidemiológica crucial” e que “as definições dos riscos são muito vagas“.

“Trata-se de um estudo observacional com inquéritos acedidos pela Internet a uma amostra não representativa da população espanhola (a maioria estudantes pré e pós-graduados), com dois terços de mulheres, apenas uma minoria de fumadores (16%), mas sem informação sobre a média de idades do grupo global, ou de presença de comorbilidades”, descreve. Mais, “o resultado principal analisado foi aquilo que os investigadores designaram como ‘caso Covid’, isto é, a presunção de uma infeção pelo SARS-CoV-2”.

Confirmamos assim que o estudo em causa existe, mas tanto Celso Cunha como Vaz Carneiro apontam para uma série de variáveis e limitações ao nível da metodologia e amostra do estudo, colocando em dúvida a suposta relação de causa-efeito entre conviver com cães e ser infetado com o novo coronavírus. Pelo que optamos por uma classificação intermédia de reserva quanto à fiabilidade das conclusões do estudo.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebookeste conteúdo é:

Parcialmente falso: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Na escala de avaliação do Polígrafoeste conteúdo é:

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