Durante a entrevista que deu esta quinta-feira, 21 de novembro, à CNN, António José Seguro, antigo Secretário-Geral do PS, afirmou que, ao contrário do que acontece atualmente, “a Constituição de 1976 exigia um voto no Programa do Governo”.
“Era uma coisa estranha”, começou por dizer, “os partidos andavam na campanha eleitoral a dizer ´o meu programa é que é o adequado, o teu não é´. E depois chegavam ao Parlamento e votavam como numa situação em que o Governo tinha maioria relativa no Parlamento?”, perguntou. Concluiu, então, dizendo que foi através de uma revisão constitucional que deixou de ser obrigatório submeter o programa de Governo a votação da Assembleia.
Será verdade que a Constituição de 1976 exigia que o programa do Governo fosse votado no Parlamento?
Na verdade, na versão da Constituição de 1976, em nenhuma parte se refere que o Programa do Governo está sujeito ao voto dos partidos no Parlamento. O artigo 195.º da Constituição dizia: “O programa do Governo será apresentado à apreciação da Assembleia da República no prazo máximo de dez dias a seguir à nomeação do Primeiro-Ministro”.
Definia, também, que o debate sobre o programa não podia exceder os cinco dias e que “até ao seu encerramento qualquer grupo parlamentar” poderia “propor a rejeição do programa do Governo”, ainda que a rejeição só se efetivasse se fosse apoiada por uma maioria absoluta dos deputados.
Ou seja, o Programa do Governo seria votado apenas em caso de haver uma solicitação de voto de confiança por parte do Governo, como indica o artigo 196.º ou uma moção de censura por parte de um outro partido, como indica o artigo 197.º.
Na primeira sessão legislativa, quando foi apresentado o também primeiro Programa do Governo, em diversas ocasiões, os próprios deputados fizeram referência ao facto de não ser “exigido” um voto no programa do Governo.
Na sessão de 2 de agosto de 1976, durante uma das suas intervenções, Francisco Sá Carneiro afirmou: “O problema, ao ser aqui exposto um programa de Governo, é o de saber se ele passará ou não nesta Assembleia. Mas perguntamos: sendo isto assim e não implicando, segundo as normas constitucionais, esta discussão uma votação, perguntamos ao Primeiro-Ministro se acaso o Partido Socialista não entende necessário clarificar, à partida, a posição dos partidos aqui representados perante o seu programa de governo”.
Já na sessão de 6 de agosto, o próprio ministro da Justiça, António Almeida Santos, sublinhou o facto de, sobre o programa do Governo, “o texto constitucional não exigir a sua aprovação, contentando-se com a sua não rejeição”. Ou seja, os partidos da Assembleia não tinham de manifestar um voto favorável em relação ao programa. Para que este fosse implementado, bastava que nenhum partido se mostrasse contra, através de uma moção de censura, tal como acontece agora.
Consultando a versão mais recente da Constituição, depois da VII Revisão Constitucional, em 2005, no que se refere ao programa de Governo, o documento não tem grandes diferenças. “O programa do Governo é submetido à apreciação da Assembleia da República, através de uma declaração do Primeiro-Ministro, no prazo máximo de dez dias após a sua nomeação”, lê-se.
O debate não pode, agora, durar mais do que três dias, mas qualquer grupo parlamentar continua a poder “propor a rejeição do programa”. A rejeição do documento continua a exigir maioria absoluta dos deputados e apenas se vota nos mesmos dois casos: se houver uma solicitação por parte do Governo de um voto de confiança ou se houver uma moção de censura.
No site do Diário da República é possível confirmar, no Lexionário, que “o programa não tem de ser aprovado e nem sequer necessariamente votado pelos deputados”.
O Polígrafo pediu esclarecimentos a António José Seguro acerca da afirmação em questão, mas não obteve resposta até à data de publicação deste artigo.
Assim sendo, na verdade, a Constituição de 1976 não exigia voto do Programa do Governo tal como afirmou António José Seguro na entrevista à CNN Portugal. A votação apenas aconteceria em caso de existir um pedido de voto de confiança ou uma moção de censura.
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Avaliação do Polígrafo: