“Apenas 0,3% dos cientistas publicados indicaram, nos seus artigos, que o aquecimento global recente foi maioritariamente pelo Homem”, destaca-se num post datado de 24 de agosto no Facebook. O autor da publicação ressalva ainda que “o que se nega não é o aquecimento”, mas sim que ele “seja antropogénico” - causado pela atividade humana - e “muito menos devido ao incremento de CO2 (dióxido de carbono) antrópico, derivado da utilização dos combustíveis fósseis”.

Mas será que esta é uma alegação com uma base científica sustentada?

O post tenta contrariar os resultados de uma investigação publicada, em 2013, no Environmental Research Letters, uma revista científica que se debruça sobre temas ambientais. Na pesquisa intitulada "Quantifying the consensus on anthropogenic global warming in the scientific literature" ("Quantificação do consenso sobre o aquecimento global antropogénico na literatura científica", em tradução livre), John Cook e os colegas propuseram-se a analisar a “evolução do consenso científico sobre o aquecimento global antropogénico (AGW) na literatura científica revista pelos pares”.

Através da análise de “11.944 resumos” de estudos científicos, publicados entre 1991 e 2011, versando sobre os temas das "alterações climáticas globais" ou "aquecimento global", os investigadores determinaram que “97,1% apoiaram a posição consensual de que os seres humanos estão a causar o aquecimento global”. Os responsáveis pela investigação quiseram também convidar os autores dos artigos científicos avaliados a fazer uma análise aos próprios trabalhos. Daqueles que responderam ao pedido, 97,2% defenderam a hipótese de que esse consenso existe.

Porém, para contrariar esta posição, a publicação aqui analisada pelo Polígrafo cita uma investigação de 2015, assinada por David Legates e outros investigadores, que foi publicada na revista científica Science & Education. No post na referida rede social, escreve-se que a análise dos estudiosos às conclusões do artigo de John Cook e dos colegas revelou que “apenas 0,3% dos 11.944 resumos” tidos em conta “apoiavam a tese de que o aquecimento global foi provocado pelo homem, tal como o definiam”.

Lendo o artigo, comprova-se que a posição destes investigadores é a de que “há uma decidida falta de consenso entre os cientistas” sobre esta matéria, defendendo que existe apenas, de facto, um consenso na ordem dos 0,3%. 

Importa ainda dar nota de um outro estudo posterior, publicado no Environmental Research Letters em 2021. Mark Lynas, Benjamin Z Houlton e Simon Perry propuseram-se a “atualizar os anteriores esforços para quantificar o consenso científico sobre as alterações climáticas, ao procurar, na literatura recente, estudos céticos em relação ao aquecimento global de origem antropogénica”.

Na amostra selecionada, foram encontrados “28 artigos que eram implícita ou explicitamente cépticos”, o que permitiu concluir “com elevada confiança estatística que o consenso científico sobre as alterações climáticas contemporâneas causadas pelo Homem - apresentado como uma proporção do total de publicações - excede os 99% na literatura científica revista pelos pares”.

Assim sendo, em que é que ficamos? Ao Polígrafo, Filipe Duarte Santos, professor universitário e investigador especializado na temática das alterações climáticas, deu algumas explicações sobre estas conclusões aparentemente divergentes - embora todas elas veiculadas em publicações científicas, ou seja, com “um sistema de arbitragem por pares”.

Questionado sobre o nível de consenso entre os cientistas, relativamente à premissa de que o aquecimento global é causado pela ação humana, o especialista deu conta de que o mesmo existe. “Há vários artigos, baseados em estatísticas e em entrevistas entre cientistas (...), e o consenso é muito superior a 93% ou até a 98%, segundo os dados mais recentes”, elucidou.

Segundo explicou Filipe Duarte Santos, as “alterações climáticas estão relacionadas com o efeito de estufa” e tal é já algo “muito comprovado”, pelo que qualquer tipo de afirmações contraditórias são, na perspetiva da Ciência, “completamente extraordinárias”. E acrescentou: “É a mesma coisa que dizer, e há pessoas que dizem, que a terra é plana."

Apesar de garantir que “esta é a narrativa da ciência”, lembrou que existem “várias” outras, nomeadamente a defendida pela “poluente indústria do petróleo, do gás natural e do carvão”, com “maior capacidade de lançar, nas redes sociais” essa sua versão, em comparação com a academia.

Quanto ao artigo publicado na revista Science & Education, considerou que o que está em causa é uma lacuna metodológica. E elaborou: “A determinação de se uma teoria ou explicação científica é verdadeira ou falsa, de acordo com a metodologia da ciência, não é feita através de inquéritos, para saber se os outros cientistas estão de acordo ou não. O teste à teoria ou à afirmação científica é feito através da capacidade que a teoria ou a explicação científica tem de prever o que vai acontecer no futuro”. Ou seja, neste caso: “quanto mais emissões tivermos, mais aquece o planeta e vamos ter cada vez mais fenómenos extremos, frequentes e intensos."

Os cientistas responsáveis pela investigação citada, referiu, “foram ver quantos é que se opunham à explicação” - de que “as alterações climáticas têm uma origem humana” - “para aquilo que se observa, que é uma mudança climática”. E concluiu, dizendo que “isso não faz parte da metodologia científica”, é apenas “um fait-divers”.

Filipe Duarte Santos explicou também que o estudo citado parte da ideia de “que a verdade científica é determinada pela existência de um consenso entre os cientistas, e ainda pela suposição adicional de que este consenso existe. Mas não é essa a maneira de testar uma teoria científica”, ressalvou.

“Suponhamos que, quando se inventou o telefone, em vez de vermos se o telefone funcionava ou não, íamos perguntar a outros cientistas que estavam interessados naquele assuntos se estavam de acordo se o telefone ia funcionar ou não. O teste aqui é ver se o telefone funciona”, exemplificou, por fim.

Portanto, tendo todos estes dados em conta, é falsa a tese de que existe apenas “0,3% de consenso” de que o aquecimento global foi causado pela atividade humana, com a percentagem a estar - nos artigos científicos metodologicamente bem delineados - bem acima dos 90%.

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