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Companhias podem impedir passageiros de embarcar em voo para “país do espaço Schengen” se apresentarem apenas título de residência em Portugal?

Sociedade
O que está em causa?
Em denúncia enviada ao Polígrafo, um leitor expôs uma situação que enfrentou recentemente: terá sido impedido de embarcar num avião da TAP, que fazia a ligação entre Lisboa e Hamburgo, na Alemanha, após ter apresentado apenas um “cartão de residência”. Mas será que as companhias aéreas podem fazê-lo?
© Agência Lusa / André Kosters

“Na passada quarta-feira, dia 26 de junho, foi-me negado pela TAP o embarque no avião”, relatou, em mensagem enviada via WhatsApp ao Polígrafo, um leitor, que dava conta de que o voo em causa fazia a ligação entre Lisboa e Hamburgo, na Alemanha. 

Isto porque, elaborou, terá apresentado apenas o seu “cartão de residência”, válido “por cinco anos”. Algo que estranhou, pelo facto de Portugal ser um “país membro do espaço Schengen”, tal como o Estado “de destino”.

Questiona-se, assim, se o seu “direito de mobilidade foi violado pela companhia TAP” por não o ter “deixado embarcar, alegando já ter viajado “para outro país do espaço Schengen apresentando o mesmo documento”.

O que dizem as regras em vigor sobre esta situação?

Questionada pelo Polígrafo, fonte oficial da TAP começou por notar que, no período mencionado, existia um detalhe importante a ter em conta, relacionado com a realização do Campeonato Europeu de Futebol em território alemão: “para o caso concreto, na sequência do Euro 2024, a polícia federal alemã realiza controlos nas fronteiras aéreas, marítimas e terrestres. Neste sentido, o espaço Schengen não está livremente aberto devido a este evento.” Uma informação que também foi “disponibilizada pela TAP” no seu site durante a realização da competição – como é possível ver na imagem abaixo –, bem como “em muitas outras páginas oficiais das autoridades e outras organizações nacionais e europeias”.

De facto, segundo a informação que consta no site do Ministério do Interior da Alemanha, a Polícia Federal do país pôde, a partir de 7 de junho, “realizar as verificações temporárias em todas as fronteiras alemãs ordenadas pela Ministra Federal do Interior, Nancy Faeser, devido às altas precauções de segurança para o Campeonato Europeu de Futebol de 2024”. Em causa controlos que puderam ocorrer “nas fronteiras com a Dinamarca, a França e os países do Benelux , onde anteriormente não foram realizados quaisquer controlos fronteiriços”, mas que também podiam afetar “os viajantes do espaço Schengen também podem ser controlados no tráfego aéreo e nos portos”.

Algo que está previsto, de facto, na legislação europeia referente ao Acordo de Schengen, que determina o seguinte: “Um país Schengen pode, excecionalmente, reintroduzir os controlos nas fronteiras, inicialmente por um período máximo de 30 dias, se existir uma ameaça grave para a ordem pública ou a segurança interna. Deve informar os outros países Schengen, o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o público em geral.”

Além disso, a TAP esclareceu ainda ao Polígrafo que “qualquer passageiro, nacional de um país do espaço Schengen ou residente, tem de ser portador de um documento de viagem válido”, isto é, um “passaporte ou cartão de cidadão”. Ou seja, um “certificado de residência não é um documento de viagem aceite pelas autoridades nacionais e europeias” em casos desta natureza.

Em causa uma informação que é, também ela, “disponibilizada a todos os passageiros em FlyTAP e em muitos sites oficiais das autoridades nacionais e europeias”. De facto, consultando os “requisitos de viagem” para um voo de ligação entre o Aeroporto de Lisboa e o Aeroporto de Hamburgo – viagem que o autor da denúncia pretendia realizar a 26 de junho –, disponíveis na plataforma a que nos remete o site oficial da TAP, informa-se, de facto, que é “necessário um documento de viagem para entrar na Alemanha por via aérea”. Ou seja, os “viajantes precisam de um passaporte válido ou carteira de identidade nacional” para entrar no referido país por esse meio. 

Ora, questionada pelo Polígrafo, fonte oficial do Sistema de Segurança Interna (SSI) remeteu para o Artigo 21º da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, onde se prevê o seguinte: “Os estrangeiros detentores de um título de residência emitido por uma das partes contratantes podem, ao abrigo desse título bem como de um documento de viagem, desde que estes documentos sejam válidos, circular livremente durante um período máximo de três meses no território das outras partes contratantes, desde que preencham as condições de entrada a que se referem as alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 5.º.” Ou seja, um documento de viagem é sempre necessário para possibilitar essa livre circulação.

Assim, no âmbito dos controlos nas fronteiras internas do Espaço Schengen, facto é que qualquer pessoa, “independentemente da sua nacionalidade, pode atravessar uma fronteira interna dentro do espaço Schengen sem ser controlada”. Porém, os viajantes “são obrigados a possuir determinados documentos de viagem, consoante sejam cidadãos da UE, familiares de países terceiros ou cidadãos de países terceiros”, segundo previsto na legislação europeia. A lista de documentos de viagem que autorizam o titular a atravessar as fronteiras externas do Espaço Schengen pode ser consultada através deste link.

O Sistema de Segurança Interna confirmou, portanto, que “o título de residência não é um documento de viagem”. Assim, um cidadão “nacional de um país terceiro deve ter em sua posse, um documento de viagem (reconhecido) para atravessar a fronteira externa”. Pelo que “ao viajar dentro do espaço sem fronteiras, os requisitos aplicáveis no momento da sua passagem na fronteira externa continuam a ser aplicáveis”. 

Segundo o Glossário de Asilo e Migração da Rede Europeia de Migração (REM), um documento de viagem “é um documento emitido por um governo ou por uma organização internacional de tratados que constitui uma prova de identidade aceitável para efeitos de entrada noutro país”. Algo diferente, portanto, de um título de residência, que se trata de “um documento emitido pelas autoridades de um Estado-Membro da UE que autoriza um nacional de país terceiro a permanecer no seu território”. O que confirma, portanto, que não detêm a mesma finalidade.

Confirma-se assim que, não tendo consigo um passaporte ou um documento de identificação válido, um viajante pode ser impedido de embarcar no avião apresentando apenas um título de residência em Portugal.

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Avaliação do Polígrafo:

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