- O que está em causa?Em novembro de 2021, a Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados preparava-se para votar a nova lei do lobbying: uma "soma de disparates" que os socialistas - proponentes - acabaram por travar a tempo. Sem regulamentação, PS poderia sair beneficiado a longo prazo, um facto apenas desmentido pela demissão de António Costa, implicado pelo MP num caso que envolve dois dos seus grandes amigos: Lacerda Machado e Costa Oliveira, alegados "lobistas" sem código de conduta.

A suspeita é do Ministério Público: Jorge Costa Oliveira, ex-secretário de Estado da Internacionalização do primeiro Governo de António Costa, terá sido contratado informalmente pela Lusorecursos, em 2018, para "pressionar e ou influenciar membros do Governo a conceder a exploração do lítio a esta sociedade", ou seja, para fazer lobby.
O papel de Diogo Lacerda Machado é igualmente isento de regulamentação neste caso: o ex-administrador da TAP já estava na mira dos jornais em 2021 depois de o "Novo" avançar que este fez lobbying por um fundo de investimento norte-americano: em causa um investimento no valor de 3,5 mil milhões de euros no megacentro de processamento de dados, em Sines.
Costa e Oliveira ou Lacerda Machado não foram apenas parceiros políticos do PM: eram homens de confiança de Costa que, nessa altura, ainda lutava pela regulamentação da atividade do lobbying, uma medida que incluiu, logo em 2015, no seu programa de Governo. Regulamentar um registo de transparência e regras de conduta da actividade para os lobistas não era propriamente uma novidade naquela altura: o Governo PS de José Sócrates já o quisera fazer, bem como o seguinte de Pedro Passos Coelho. Para a opinião pública, foram ambos impedidos por falta de tempo.
Com Costa, o processo começou em papel - "Regulação da actividade das organizações privadas que pretendem participar na definição e execução de políticas públicas, conhecida como lobbying" - e de lá não saiu. Quando, em 2016, o CDS-PP apresentou um projeto para registo de lobistas que não se aplicasse nem a advogados nem a solicitadores e aos parceiros sociais, o PS juntou-se ao centro (ainda que com algumas condições).
Em junho de 2019, três anos depois, era criado o Decreto n.o 311/XIII, um diploma fruto de um processo acelerado de aproximação entre o CDS-PP e o PS e que voltou para a Assembleia da República depois de vetado por Marcelo Rebelo de Sousa, com os motivos inscritos nesta carta enviada a Ferro Rodrigues.
Com novas soluções, a 19 de julho desse mesmo ano PS e CDS já davam resposta às falhas apontadas pelo Presidente da República: mas estas propostas de alteração não foram aprovadas no Parlamento e o processo legislativo ficou terminado sem que se tivesse conseguido avançar com um novo regime jurídico. Foi já na nova legislatura, em março de 2020, que, com outros deputados, o socialista Pedro Delgado Alves assinou o Projeto de Lei 253/XIV/1, que aprovava as "regras de transparência aplicáveis a entidades privadas que realizam representação legítima de interesses junto de entidades públicas" e criava "um registo de transparência da representação de interesses".
Nesta altura, o PS tinha pelo menos um novo aliado além do CDS: o PAN, que entrara no "negócio" para uma versão final articulada de regulação do lobbying. Apesar disso, e sem que nada o fizesse prever, a 23 de novembro de 2021, na Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, os socialistas viraram costas aos seus parceiros e colaram-se ao PSD para adiar o processo legislativo na especialidade até ao final da legislatura.
Já aqui falámos de Pedro Delgado Alves, que participou no projeto desde o início (e o negociou, inclusive, com CDS e PAN): foi ele o único deputado socialista a votar contra o requerimento do PS para adiar a votação, que teve até o apoio do PCP. Citado pelo "Diário de Notícias", Jorge Lacão, o socialista que presidia àquela Comissão, terá então concluído: "Este processo na especialidade está encerrado nesta legislatura."
A discussão interna não crescia apenas no PS, mas também no PSD. Duarte Marques escreveu, à data, no Twitter: "O rolo compressor do Bloco Central enterrou a regulamentação do lobby em plena Comissão da Transparência. É pena."
Poderia pensar-se, dada a dificuldade na aprovação da lei, que esta regulamentação teria algo de pioneiro, mas, ao contrário do que acontece já na sede da União Europeia, a verdade é que Portugal é um dos países europeus em que os lobistas não existem. Ou não existem no conjunto de profissões legisladas: afinal, nos corredores do Parlamento ou até fora deles, o lobby faz história em Portugal. Uma história isenta de transparência e de códigos de conduta até hoje.
