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Cerca de 15 mil casos de cancro terão ficado por diagnosticar por causa da pandemia?

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Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Em publicação no Facebook destaca-se que "cerca de 15 mil cancros terão ficado por diagnosticar devido à pandemia", apontando para uma estimativa da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. Verdade ou falsidade?

“Quinze mil cancros terão ficado por diagnosticar durante a pandemia. Estimativa é da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar”, lê-se na mensagem da publicação em causa, denunciada por vários utilizadores do Facebook como sendo falsa ou enganadora.

Confirma-se?

De facto, no dia 8 de julho de 2020, a SIC Notícias informou que cerca de “15 mil cancros terão ficado por diagnosticar durante a pandemia”, baseando-se numa estimativa da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF).

“A pandemia obrigou a uma reorganização nos centros de saúde. Agora, quem precisar de uma consulta tem de a marcar antes de se deslocar à unidade de saúde. Há utentes que não têm e-mail, não podendo fazer a marcação de consultas. E como nem todos os centros de saúde têm central telefónica, centenas de telefonemas ficam por atender. Atrasos que podem levar a um problema maior: os diagnósticos que ficaram por fazer durante o estado de emergência, problema agravado quando se trata de cancro. Os profissionais de saúde pedem mais médicos e listas de utentes pequenas para poderem recuperar o tempo perdido”, salienta-se da reportagem da SIC Notícias.

“Se estivermos fechados ou quase durante três meses, os cinco mil [casos novos] por mês são 15 mil. Isto é muito preocupante“, alertou então Rui Nogueira, presidente da APMGF, em declarações à SIC Notícias.

O Polígrafo contactou o presidente da APMGF, questionando-o sobre a estimativa e o desenvolvimento da situação nos últimos três meses. “A determinada altura fiz um comentário sobre a preocupação do diagnóstico de cancro, tendo em conta a limitação que temos nas nossas consultas normais. Aquilo que eu disse foi que fazemos 70 mil diagnósticos de cancro por ano em Portugal, o que quer dizer que são 5 mil por mês. Se estivermos fechados, se não fizermos nada, se os doentes todos nos passarem ao lado, se não fizermos nenhum exame de diagnóstico, quer dizer que em três meses são 15 mil“, começa por explicar Rui Nogueira.

“E na altura tínhamos 15 mil casos ativos de Covid-19, ou seja, é mais preocupante as pessoas com cancro que nos passam despercebidos do que propriamente os casos Covid-19 que tínhamos na altura… Que eram preocupantes, eram doentes, mas a maior parte das pessoas com teste positivo à Covid-19, mais de 90%, são assintomáticas ou casos muito ligeiros. Qual é então a preocupação? Porque o vírus é muito contagioso, passa muito facilmente de uns para os outro e de um momento para o outro temos milhares ou milhões de infetados e não temos capacidade de resposta para atender“, alerta o presidente da APMGF.

“Quantos mais tivermos, mais problemas temos. Agora, repare, não podemos dizer que não fizemos 15 mil diagnósticos de cancro. Estou a dizer que a dimensão do problema do cancro são 5 mil diagnósticos por mês. Não podemos fechar, não podemos estar sem ver doentes, senão passam-nos ao lado alguns que são cancro. Se houvesse três meses de paragem, não se faria o diagnósticos de 15 mil doentes com cancro. Se estivermos sete meses sem fazer diagnósticos, teríamos 35 mil, mas fizemos. Há exames. Temos algumas limitações e a doença oncológica preocupa-nos. Temos uma janela de oportunidade pequena, porque quanto mais tarde diagnosticarmos, pior é o prognóstico. É uma preocupação enormíssima, não podemos deixar de ver doentes suspeitos de cancro ou fazer exames complementares fundamentais nestes doentes”, sublinha.

Tem informação sobre quantos diagnósticos de cancro é que têm sido feitos nestes últimos meses? “Não temos registo nenhum que possa monitorizar ao mês. O que nós temos é quantos doentes foram diagnosticados, mas o relatório que há da DGS é de 2017 e foi publicado em 2019. Atualmente, temos é a noção daquilo que acontece no nosso dia-a-dia, mas não podemos dizer que não se fizeram diagnósticos de cancro ou quantos se fizeram. O que os colegas do IPO nos dizem é que têm menos casos novos. Claro, porque nós enviamos menos doentes. É uma dimensão que não se pode calcular agora, mas é preocupação, porque de certeza que há cancros que nos estão a passar ao lado”, responde Rui Nogueira.

No dia 23 de outubro de 2020, a Agência Lusa noticiou que quase mil cancros da mama, do colo do útero e colorretal não foram diagnosticados nos últimos oito meses devido à Covid-19, de acordo com uma estimativa da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) que aponta para “falhas na operacionalização” dos cuidados de saúde.

O presidente da LPCC, Vítor Rodrigues, disse à Agência Lusa que os rastreios do cancro da mama baixaram e os do colo do útero e colorretal “estão praticamente parados“.

O resultado, segundo estima a LPCC, é que quase mil cancros da mama, do colo do útero e colorretal não foram diagnosticados nos últimos oito meses por causa da pandemia da Covid-19. De acordo com Vítor Rodrigues, há “falhas na operacionalização” dos cuidados de saúde, com as consultas nos centros de saúde a não serem feitas na presença de um médico, o que permitiria dar a primeira referenciação da doença com a prescrição de um exame de diagnóstico perante um sintoma suspeito e após a observação do utente.

“Se o diagnóstico está a falhar, porque não há requisição de exames, vai haver impacto a prazo”, afirmou, sublinhando que o cancro é tanto mais tratável quanto mais precocemente for diagnosticado. Em comunicado emitido na mesma altura, a LPCC avisou que “o combate ao cancro deve ser uma prioridade contínua que não pode ficar em segundo plano face à pandemia da Covid-19″.

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Nota editorial 1: este artigo foi atualizado às 16h30m do dia 5 de novembro de 2020, com a introdução das declarações de Rui Nogueira, presidente da APMGF, ao Polígrafo; mediante essa informação adicional optámos por alterar a classificação global para “Impreciso”, na medida em que não há dados disponíveis que permitam confirmar a concretização no terreno da estimativa de há cerca de três meses.

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Nota editorial 2: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebookeste conteúdo é:

Parcialmente falso: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Na escala de avaliação do Polígrafoeste conteúdo é:

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