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Cerca de 1,2 milhões de votos nas legislativas não serviram para eleger qualquer deputado?

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Desperdiçados? No rescaldo das eleições legislativas, José Manuel Pureza, ex-deputado do Bloco de Esquerda, realça numa publicação no Facebook que "um milhão e duzentos mil votos não se traduziram em eleição de ninguém", defendendo por isso a criação de um "círculo nacional de recuperação" de votos.

Um milhão e duzentos mil votos não se traduziram em eleição de ninguém em 10 de março. Está mais que na altura de se consagrar na lei o círculo nacional de recuperação, tal como já existe na legislação eleitoral da Região Autónoma dos Açores”, escreveu José Manuel Pureza, ex-deputado do Bloco de Esquerda e professor catedrático de Relações Internacionais, num post de 18 de março no Facebook.

Estas contas geraram dúvidas entre leitores do Polígrafo que solicitaram uma verificação de factos.

O que está em causa? Desde logo o sistema eleitoral em vigor que se baseia na aplicação do método de Hondt.

É um modelo matemático utilizado para “converter votos em mandatos com vista à composição de órgãos de natureza colegial”, informa-se na página da Comissão Nacional de Eleições (CNE). “O sistema de representação proporcional caracteriza-se (…) pelo facto de o número de eleitos por cada candidatura concorrente a uma determinada eleição ser proporcional ao número de eleitores que escolheram votar nessa mesma candidatura”.

“O método de Hondt integra a categoria dos métodos de divisores – por contraposição à categoria dos métodos de maiores restos – pois a operação matemática consiste precisamente na divisão do número total de votos obtidos por cada candidatura por divisores previamente fixados, no caso 1, 2, 3, 4, 5, e assim sucessivamente”, acrescenta-se na mesma nota explicativa.

Nas eleições legislativas de 2024, ainda sem estarem apurados os resultados dos dois círculos do Estrangeiro, foram registados 6.140.269 votos no total. Entre os 20 partidos (ou coligações) que concorreram, 11 não conseguiram eleger qualquer deputado, pelo que todos os votos nesses partidos são como que “desperdiçados” pelo método de Hondt.

Destaque aqui para o ADN que, apesar de ter alcançado 100.051 votos (1,63% do total), não obteve representação parlamentar.

Além dos votos nesses 11 partidos que não elegeram qualquer deputado, neste âmbito também são contabilizados os votos em cada círculo eleitoral que não se traduziram em mandatos deputados, inclusive em partidos que elegeram noutros círculos. Mais, mesmo entre os partidos que elegeram num círculo há votos que são “desperdiçados” nos cálculos inerentes ao método de Hondt.

Confuso? Atente-se no exemplo do círculo de Portalegre, onde o PS conquistou um mandato com 20.658 votos, o Chega obteve outro mandato com 14.915 votos e a AD não conseguiu eleger mesmo com 14.132 votos. Além de todos os votos na AD e nos restantes partidos que não elegeram, neste círculo também são considerados como “desperdiçados” os votos a mais que o PS recolheu em comparação com o Chega para eleger o mesmo número de deputados.

E assim sucessivamente, as mesmas contas em todos os círculos eleitorais. Foi este o método utilizado num estudo do matemático Henrique Oliveira, do Instituto Superior Técnico (IST), que chegou à conclusão de que quase 1,2 milhões de votos nas eleições legislativas não serviram para eleger qualquer deputado, o que representa cerca de um em cada cinco votos válidos.

“Encontrámos 1.166.263 votos sem representatividade no país, somando os restos de todos os círculos eleitorais analisados (20 correspondentes ao território nacional). Corresponde a 19,5% dos votos válidos”, destaca-se no estudo, segundo noticiou a Agência Lusa.

Através de cálculos próprios, o Polígrafo chegou a um número quase similar de votos “desperdiçados“. O qual ainda vai aumentar com o apuramento dos resultados nos círculos do Estrangeiro, processo que deverá ser concluído amanhã, dia 20 de março.

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Avaliação do Polígrafo:

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