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Cavaco Silva defendia “contas certas” (alinhado com Passos Coelho) mas agora diz que são “armadilha do Governo socialista”?

Política
O que está em causa?
"As 'contas certas' foram a armadilha que o Governo socialista montou para, com algum sucesso, desviar a atenção (...) dos graves problemas do país", escreveu Cavaco Silva no jornal "Público". Em reação, no X/Twitter há quem recorde declarações do ex-Presidente da República (e também de Passos Coelho) a defender a importância de "ter contas públicas certas".

“Então o próprio Cavaco [Silva] e o Passos [Coelho] são ‘socialistas’?” Assim se questiona, com ironia, num tweet de 4 de dezembro que remete para notícias em que Aníbal Cavaco Silva é citado a defender a importância de “ter contas públicas certas“. Tal como Pedro Passos Coelho.

No mesmo dia, o antigo Presidente da República publicou um artigo de opinião“Contas certas’, a armadilha para iludir os portugues – no jornal “Público”, argumentando que “as ‘contas certas’ foram a armadilha que o Governo socialista montou para, com algum sucesso, desviar a atenção (…) dos graves problemas do país, que são da sua inteira responsabilidade”.

Em junho de 2014, porém, a Agência Lusa reportou que “perante o Presidente da República Federal da Alemanha, Joachim Gauck, Cavaco Silva afirmou que é sua ‘convicção que Portugal continuará num rumo de consolidação das suas contas públicas, um rumo de garantia de sustentabilidade da sua dívida pública e na realização das reformas que são indispensáveis para a competitividade da economia portuguesa”.

Aprendemos a lição dos últimos anos. O povo português teve um comportamento extremamente responsável e queremos agora entrar numa trajetória de crescimento económico e de criação de emprego, em particular pensando nos nossos jovens que tem tido alguma dificuldade no acesso ao mercado de trabalho”, afirmou o então Presidente da República.

No tweet aponta-se também para uma notícia de julho de 2013, no jornal “Diário de Notícias”, em que se informou que “o acordo político de médio prazo ontem exigido por Aníbal Cavaco Silva aos três maiores partidos – PSD, PS e CDS – deve seguir o que tem sido defendido, insistentemente, por Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, que reuniu duas vezes com o Presidente da República nos últimos cinco dias”.

“O Presidente da República exigiu um acordo de três pilares: ‘terá de estabelecer o calendário mais adequado para a realização de eleições antecipadas’, ‘garantindo o apoio à tomada das medidas necessárias para que Portugal possa regressar aos mercados logo no início de 2014 e para que se complete com sucesso o Programa de Ajustamento’ e tem de ser ‘de médio prazo, que assegure, desde já, que o Governo que resulte das próximas eleições poderá contar com um compromisso entre os três partidos que assegure a governabilidade do país, a sustentabilidade da dívida pública, o controlo das contas externas, a melhoria da competitividade da nossa economia e a criação de emprego'”, detalhou o referido jornal.

Recorde-se que estava em causa um putativo acordo que envolveria o PS então liderado por António José Seguro, no contexto da aplicação do programa de resgate financeiro da Troika. Um acordo em forma de “compromisso de salvação nacional” que acabou por não ser concretizado.

Como demitir um ministro, remodelar o Governo, avaliar a integridade dos nomeados, prestar contas no Parlamento, respeitar o Tribunal de Contas, reagir às críticas do Presidente da República… Entre a teoria vertida no livro "O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar" (Porto Editora, 2023) e a prática do autor quando exerceu o cargo de primeiro-ministro (1985-1995) identificam-se múltiplos exemplos de incoerência.

O mesmo tweet remete também para uma notícia da TVI, datada de novembro de 2014, com o seguinte título em destaque: “Passos desafia PS a dizer que quercontas certas.'”

“O primeiro-ministro [Pedro Passos Coelho] desafiou terça-feira o PS a esclarecer se quer contas certas ou se continua à procura de desculpas para manter défices e dívida, pedindo aos socialistas para definirem a estratégia orçamental antes das próximas eleições”, reportou a TVI.

“Sobretudo aqueles que com verosimilhança podem dizer-se e apresentar-se como tendo a ambição de poder vir a governar no futuro, têm de nos dizer se estão de acordo com isto, com contas certas, ou se continuam sempre à procura de desculpas para manter défices e dívida. E se querem contas certas, como é que vão fazer”, questionou Passos Coelho, em claro desafio ao PS que já era liderado por António Costa (já tinha destronado Seguro no final de setembro de 2014).

Para o então líder do PSD e primeiro-ministro em funções, as contas certas não eram uma “obstinação ideológica” mas sim uma questão de saber se “queremos ser um país desenvolvido ou não”.

“Eu acho que nós temos todas as condições para poder ser um país desenvolvido e, para isso, as nossas contas têm que bater certas. Sempre que se trata de tirar conclusões sobre isto, a oposição emigra, tem necessidade de sair da conversa. E é pena. Temos de convidar a oposição a regressar ainda mais depressa a este debate”, sublinhou Passos Coelho.

O livro que marca a "rentrée" político-literária só chega amanhã às bancas, mas já estão disponíveis vários excertos de "O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar" pré-publicados em jornais. No "Expresso" destaca-se o seguinte conselho: o primeiro-ministro "deve evitar responder em público às críticas (do Presidente da República) à política do Governo que considere injustas e reservar-se para manifestar o seu desacordo na seguinte reunião de quinta-feira ou através de um telefonema pessoal". Terá Cavaco Silva respeitado essa norma quando ele próprio liderou o Governo, em coabitação com Mário Soares no Palácio de Belém?

Aliás, no discurso da tomada de posse do (breve) XX Governo Constitucional, Passos Coelho voltou a defender a importância das “contas certas”.

“Para alcançarmos os objectivos nacionais não podemos destruir as bases que já lançámos. Em primeiro lugar, ter contas públicas certas. Garantir que o défice em 2015 ficará abaixo dos 3% e, portanto, sair do Procedimento por Défice Excessivo, a que estamos sujeitos há vários anos. Menos défice significa mais credibilidade, mais confiança, menos dívida e, o que é muito importante, a perspectiva real de desagravamento fiscal”, afirmou Passos Coelho.

“Em segundo lugar, preservar os excedentes externos que conseguimos nos últimos três anos, reduzindo a dívida ao estrangeiro e melhorando as condições do financiamento indispensável à nossa economia. A nossa reputação internacional e o equilíbrio financeiro das famílias e das empresas também se joga aqui”, sublinhou.

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Avaliação do Polígrafo:

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