- O que está em causa?O livro que marca a "rentrée" político-literária só chega amanhã às bancas, mas já estão disponíveis vários excertos de "O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar" pré-publicados em jornais. No "Expresso" destaca-se o seguinte conselho: o primeiro-ministro "deve evitar responder em público às críticas (do Presidente da República) à política do Governo que considere injustas e reservar-se para manifestar o seu desacordo na seguinte reunião de quinta-feira ou através de um telefonema pessoal". Terá Cavaco Silva respeitado essa norma quando ele próprio liderou o Governo, em coabitação com Mário Soares no Palácio de Belém?

O livro intitula-se como "O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar" (Porto Editora), estará disponível nas bancas a partir de 14 de setembro e, segundo anunciou o gabinete do autor - Aníbal Cavaco Silva, antigo primeiro-ministro e ex-Presidente da República - no início deste mês, coloca o enfoque no "comportamento de um primeiro-ministro de Portugal para que o Governo tenha sucesso".
Ou mais especificamente, "a parte central do livro consiste num ensaio normativo sobre o que deve ser o comportamento de um primeiro-ministro de Portugal para que o Governo tenha sucesso". Segundo informou a Agência Lusa, "tem 10 capítulos que abordam temas como as competências do primeiro-ministro, a escolha dos ministros, a presidência do Conselho de Ministros, a avaliação e as reuniões com os ministros, as remodelações governamentais, o relacionamento do primeiro-ministro com o Presidente da República e o Governo de coligação".
Ainda não está à venda, mas entretanto já estão disponíveis vários excertos pré-publicados em jornais. Por exemplo, no "Expresso" destaca-se o seguinte conselho: o primeiro-ministro "deve evitar responder em público às críticas (do Presidente da República) à política do Governo que considere injustas e reservar-se para manifestar o seu desacordo na seguinte reunião de quinta-feira ou através de um telefonema pessoal".
Mas terá Cavaco Silva respeitado essa norma quando ele próprio liderou o Governo (1985-1995), em coabitação com Mário Soares então instalado no Palácio de Belém (1986-1996)?
No dia 28 de março de 1995, o "Telejornal" da RTP1 noticiou (com base numa entrevista de Cavaco Silva ao jornal "Público") que "o primeiro-ministro [Cavaco Silva] não esconde as críticas diretas ao Presidente da República e dá uma sugestão a Mário Soares: 'Porque não voltar ao PS e candidatar-se a primeiro-ministro? Assim já poderia conduzir politicamente o país e coordenar a ação dos ministros.'"

"Soares leu a entrevista e parece não ter gostado", destacou-se na peça da RTP1, embora mostrando o próprio Soares a simplesmente dizer: "Não faço comentários, como sabem."
A referida entrevista surgiu numa altura em que Cavaco Silva já tinha abandonado a liderança do PSD (sucedido por Fernando Nogueira) e preparava-se para cessar as funções de primeiro-ministro (após uma década no cargo), a cerca de sete meses das eleições legislativas e subsequente término de mandato.
No entanto, o facto é que há mais exemplos de críticas diretas ao Presidente da República, sobretudo ao longo do segundo mandato de Soares no Palácio de Belém, quando também se intensificaram as críticas (e até iniciativas) em sentido oposto.
Ao discursar no encerramento do XVI Congresso Nacional do PSD, a 15 de novembro de 1992, no "Pavilhão Rosa Mota" (assim rebaptizado no ano anterior), Porto, Cavaco Silva criticou a utilização indevida da Presidência da República como "caixa de ressonância de interesses corporativos". Também já tinha criticado Soares no discurso de abertura, dois dias antes.

"A reunião magna de 1992 serviu para preparar as eleições autárquicas do ano seguinte, mas foram as duras críticas ao então Presidente da República, Mário Soares - cuja recandidatura a Belém tinha sido apoiada pelo PSD -, que fizeram correr tinta. No discurso de abertura do Congresso, o então líder social-democrata pediu a Mário Soares um comportamento semelhante ao dos outros chefes de Estado da Europa. 'Respeitamos as competências dos outros órgãos, mas ninguém nos peça que fiquemos calados quando tentam interferir nas competências do Governo', disse então Cavaco Silva, que criticou todos os que pretendiam 'transformar uma magistratura de influência numa magistratura de interferência'", lembrou a Agência Lusa.
"As reações não se fizeram tardar e o PS, em declarações à Agência Lusa pelo então presidente do partido e líder parlamentar, Almeida Santos, mostrou-se 'indignado' com o discurso de Cavaco Silva, acusando-o de 'não respeitar as regras da democracia'. Já a Presidência da República não quis comentar estas declarações do primeiro-ministro, mas soube-se então que este discurso 'não caiu bem' no Palácio de Belém, o que não impediu Cavaco Silva de insistir nas mesmas críticas no dia seguinte", sublinhou.
Entre outros exemplos sobressai ainda o célebre "Deixem-nos trabalhar, deixem-nos trabalhar!"

Data de julho de 1993, quando Cavaco Silva discursou no âmbito de um comício de apresentação dos candidatos do PSD às Câmaras Municipais da Área Metropolitana de Lisboa. "O líder do PSD foi além da política autárquica. Ergueu a voz contra os que, no seu entender, criam obstáculos à governação", reportou a RTP na altura.
"Entretenham-se nos Palácios, nos almoços, na intriga e na criação de factos políticos... Mas deixem-nos trabalhar, deixem-nos trabalhar para desenvolver Portugal", vociferou Cavaco Silva - em referência implícita a Soares - que assim, comprova-se mais uma vez, não se "reservou para manifestar o seu desacordo na seguinte reunião (...) ou através de um telefonema pessoal".
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