No programa “Linhas Vermelhas” da SIC Notícias, ontem à noite (15 de abril), Catarina Martins estava a comentar a promessa de baixar o IRS em 1.500 milhões de euros pelo Governo de Luís Montenegro (Aliança Democrática) que afinal será de apenas 200 milhões, acrescidos ao desagravamento de 1.327 milhões que já tinha sido implementado este ano pelo anterior Governo de António Costa (PS). Questionada sobre se foi uma “mentira” ou “oportunismo” de Montenegro, a forma como anunciou o valor global sem explicar que se baseava quase totalmente no corte já aplicado, Martins respondeu que “isso é igual a outras circunstâncias em que o oportunismo e a mentira são muito parecidos”.
Para a ex-líder do Bloco de Esquerda, “houve um oportunismo a dizer que se vai descer 1.500 milhões de euros no IRS e as pessoas acharam que isso era verdade e afinal é só 200 milhões face à redução que já existia. Como houve um oportunismo quando se disse que as pensões iam chegar pelo menos aos 820 euros e afinal estava-se a falar do limite máximo do Complemento Solidário para Idosos”.
A cabeça-de-lista dos bloquistas nas próximas eleições para o Parlamento Europeu apontou ainda para outro exemplo, em torno do salário mínimo nacional: “Ou quando o Programa do Governo diz no princípio que o salário mínimo nacional vai chegar aos 1.000 euros em 2028 e, a páginas tantas, diz [que] isso logo se vê, depende da produtividade. E portanto, na verdade, não há sequer nenhuma garantia.”
Posto isto, concluiu que “este é um Governo (…) que aproveita para dizer, para dar a entender medidas que na verdade, depois, não são nada do que é anunciado. Se isso foi ou não uma fraude do ponto de vista do debate público na democracia, eu acho que sim”.
No que respeita ao salário mínimo, tem razão?
De facto, na página 18 do Programa do XXIV Governo Constitucional (pode consultar aqui), o Executivo liderado por Montenegro compromete-se a “incentivar ativamente o trabalho e o emprego, em todas as suas formas, e aumentar a produtividade. Em Portugal o valor do salário médio é muito próximo do valor do salário mínimo e há poucos incentivos à produtividade. Aumentar o salário mínimo nacional para 1.000 euros em 2028 é, pois, um objetivo do Governo, mas também promover as condições para sustentar o aumento do salário médio para 1.750 euros, em 2030, com base em ganhos de produtividade e no diálogo social.”
Mas posteriormente, entre as páginas 36 e 37 do mesmo documento, inscreve-se a medida de “garantir o aumento do salário mínimo nacional em linha com a inflação mais os ganhos de produtividade como regra geral, e criação de uma comissão técnica independente sobre o ‘Salário Digno’ que analise e avalie o impacto da subida do SMN no emprego (que motive desvios à regra geral) e que proponha políticas a médio prazo tendo em vista a redução da pobreza e a dignidade no emprego dos trabalhadores com baixos salários”.
A alegação em causa de Martins tem assim fundamento, mas importa ter em atenção que, entretanto, o ministro das Finanças já explicou que mesmo que essa “regra geral” não se verifique até 2028 – isto é, se a inflação e a produtividade não evoluírem de forma a possibilitar um aumento do valor nominal do salário mínimo para 1.000 euros nesse ano -, ainda assim o Governo deverá cumprir o objetivo estabelecido.
“O que dizemos é que preferencialmente a evolução do salário mínimo ao longo do tempo – e estou a falar no longo prazo – deve acompanhar a produtividade e a inflação, mas face às condições atuais do mercado de trabalho, à data de hoje, temos o compromisso de o colocar nos 1.000 euros em 2028, o que está alinhado com as nossas previsões”, afirmou Joaquim Miranda Sarmento, em entrevista à RTP.
O ministro das Finanças admitiu que, mesmo que se venha a verificar alguma diferença face às projeções, haverá forma de acomodar aquela subida, porque o “mercado de trabalho hoje responde a esses aumentos do salário mínimo”.
Em suma, Martins parte de uma base verdadeira, o aparente desfasamento entre duas medidas do Programa do Governo (por um lado, o objetivo de “aumentar o salário mínimo nacional para 1.000 euros em 2028”; por outro lado, fazer depender esse aumento da “inflação mais os ganhos de produtividade como regra geral”). Mas extrapola ao dizer que “não há sequer nenhuma garantia”, quando o ministro das Finanças já assegurou que essa “regra geral” se insere numa perspetiva a “longo prazo” e que o aumento para 1.000 euros até 2028 deverá ser cumprido e está alinhado com as previsões do Governo.
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Avaliação do Polígrafo: