“O PS não aceita, de certa forma, que estejamos a fazer muito, muito melhor do que eles. E isso é de uma gravidade extrema em democracia”, afirmou o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, durante um discurso que proferiu, este fim-de-semana, durante o Congresso do PSD em Braga.
Excertos da sua intervenção foram partilhados na rede social X (antigo Twitter), tendo viralizado afirmações acerca do trabalho que tem vindo a ser feito, pelo seu Executivo, em matéria de habitação: “Em 10 anos, o Partido Socialista, em Lisboa, construiu 17 casas por ano. São dados do INE [Instituto Nacional de Estatística]. Nós, em três anos, entregámos mais de 2.000 casas aos lisboetas, ajudámos mais de 1.000 lisboetas a pagar a renda de casa.”
Sobre o tema, recordou ainda alegadas declarações proferidas pelo atual secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, que citou: “Carlos Moedas entregou 2.000 casas que eram do PS.” E respondeu, de seguida, a tais acusações, dizendo que “as casas não são do PS, as casas são dos lisboetas, são das pessoas, não são do PS”.
Tendo concluído, de imediato: “E foram essas casas que nós entregámos. Foram essas 1.000, mais de 1.000, que estavam abandonadas, com as portas e as janelas fechadas, que nós entregámos aos lisboetas. Não foi o PS.”
As “17 casas por ano” do PS
Sobre as casas construídas pelo PS durante os seus anteriores mandatos em Lisboa, o Polígrafo tinha já verificado, em abril de 2023, uma afirmação semelhante de Carlos Moedas, quando deu conta de que “entre 2010 e 2020” construíram-se “apenas 17 habitações municipais por ano”.
De acordo com os dados recolhidos nos “Censos 2021“, disponíveis na página do Instituto Nacional de Estatística (INE), “do parque habitacional recenseado, apenas 110.784 edifícios foram construídos entre 2011 e 2021, valor significativamente inferior aos verificados em décadas anteriores e que corresponde a apenas 3,1% do total do parque habitacional”.
Do total de 110.784 edifícios construídos em Portugal nesse período, 14.043 localizam-se na Área Metropolitana de Lisboa (AML), entre os quais 821 no município de Lisboa.
É um número muito superior ao indicado por Moedas que apontou para apenas 17 por ano (170 em 10 anos), mas estes dados dos “Censos 2021” englobam tanto a construção pública como a construção privada. E o autarca referiu-se especificamente a “habitações municipais”, por altura da primeira verificação de factos.
À data, em resposta ao Polígrafo, o gabinete do presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) indicou que “a fonte de informação consultada é o INE”, tendo os dados sido “retirados diretamente dos ‘Censos 2021’ para o município de Lisboa”.
O indicador utilizado é o número de alojamentos familiares clássicos de residência habitual por localização geográfica (à data dos ‘Censos 2021’), época de construção e tipo de entidade proprietária. Neste indicador verifica-se que a AML registou um total de 19.920 alojamentos familiares, dos quais 87 pertencem a administração central, empresa pública, instituto público ou outra instituição sem fins lucrativos, 264 são de autarquias locais e 2o de cooperativas de habitação. Já no município de Lisboa, de um total de 3.243 alojamentos, 13 são de administração central, empresa pública, instituto público ou outra instituição sem fins lucrativos, 155 de autarquias e cinco de cooperativas.
A partir desses dados, o gabinete de Moedas concluiu que “o total em 10 anos é de 173 habitações: cerca de 17 por ano. Importa sublinhar que este valor se refere unicamente a construção com apoio público“.
Também contactada pelo Polígrafo, Helena Roseta, autora da nova Lei de Bases da Habitação e ex-deputada do PS, indicou que os dados “constam do levantamento da Carta Municipal de Habitação” que estava então “a ser elaborada pela Câmara de Lisboa”.
“Estamos a falar de habitação municipal nova e não de reabilitação e obras em fogos pré-existentes. No período em que exerci funções de vereadora da Habitação, entre 2009 e 2013, não havia qualquer verba orçamental para construção de habitação municipal. A Câmara de Lisboa estava em situação financeira muito difícil e as obras que se fizeram foram apenas de reabilitação de fogos municipais já existentes. Sem orçamento, não é possível lançar construção nova. Desde o PER, lançado em 1993, até ao PRR, aprovado em junho de 2021, não houve nenhum programa público para financiamento de construção de habitação pública”, explicou Roseta.
A ex-vereadora sublinhou ainda que “os dados objetivos do que foi feito no pelouro da Habitação entre 2009 e 2013 constam do relatório de mandato” que assinou. “Os quadros relevantes em termos de obras são os quadros 16 e 17. Neles se refere um total de 685 fogos reabilitados (através de vários programas municipais, nomeadamente o PIPARU, que envolveu 500 fogos) e 835 intervenções em fogos municipais habitados, a pedido dos inquilinos. Mas nada disto foi obra nova.“
Apesar dos dados inscritos nos “Censos 2021”, o PS apresenta contas diferentes, pela voz da vereadora Inês Drummond, em declarações ao Polígrafo em abril de 2023: “De acordo com as nossas contas, das casas que foram concluídas e entregues, estamos a falar de pelo menos 499. Tivemos desde o Bairro da Boavista, Bairro Padre Cruz, Bairro da Cruz Vermelha e até nos prédios que eram de serviços que se transformaram em prédios de habitação que eram da Segurança Social e os prédios do Martim Moniz – a ‘EPUL jovem’ que só ficou concluída em 2015. Nisto tudo estamos a falar de 499 casas.”
Reconhecendo que embora tenha sido uma década em que se investiu pouco, Drummond defendeu que foi feito o possível tendo em conta que “a seguir à saída de Carmona Rodrigues, a Câmara de Lisboa estava falida com um passivo de 1.600 milhões de euros“. Por isso, “a aposta forte na habitação só foi possível a partir de 2015, quando as contas da Câmara de Lisboa já estavam estabilizadas e, a partir daí, começou-se a desenvolver tudo o que eram projetos, regulamentos, concursos, tudo o que levasse ao lançamento das empreitadas”.
As 2.000 casas “entregues” por Moedas
Sobre a segunda parte da alegação agora proferida por Moedas – garantindo que em apenas três anos o seu Executivo já entregou “2.000 casas aos lisboetas” –, a situação foi, inclusive, noticiada, dando conta de um feito que teria sido atingido em setembro deste ano. Porém, tal como já tinha verificado também o Polígrafo em abril deste ano, parte das casas que Moedas diz ter entregue começaram a ser decididas no mandato de Fernando Medina, embora a CML e o PS apresentem contas distintas sobre o tema. Porém, ainda que esses projetos se tenham iniciado no anterior mandato, Moedas deu-lhes seguimento, a partir de outubro de 2021, levando aos resultados agora alcançados.
Ora, de acordo com o Memorando do Património Municipal com arrendamento público gerido pela Gebalis (empresa municipal que gere os bairros de habitação social em Lisboa), enviado à vereadora Filipa Roseta no dia 2 de dezembro de 2021 e remetido ao Polígrafo pelo PS, havia no final desse ano 462 casas preparadas para entrega, sendo que 186 já tinham as obras concluídas e 276 estavam “em empreitada”.
Segundo o documento, o levantamento “foi realizado com base nos dados presentes no sistema de informação – Gestão Património Municipal (GPH), no ficheiro fogos devolutos, e com recurso, sempre que necessário aos Gabinetes de Bairro” com a data de referência de 20 de outubro de 2021.
A estas 462 casas somam-se 588 casas novas deixadas em obra no final do mandato de Medina, perfazendo 1.050. Destas, 130 do Bairro da Cruz Vermelha e 128 da Avenida das Forças Armadas, em Entrecampos, já estavam prontas ou quase prontas a entregar.
No entanto, em resposta ao Polígrafo, a CML contrariou os números do PS. Em abril deste ano, quando a autarquia já teria entregado 1.716 chaves, fonte oficial da mesma explicou que, “desde 2022, a Gebalis reabilitou 1.102 habitações vagas municipais para atribuir nos programas de habitação”, sendo que 327 habitações dizem respeito a 2022, 673 a 2023 e 102 a 2024 (até essa data), ou seja, um número superior ao indicado pelo PS. “Esta parcela de reabilitação de frações vazias é suficiente para demonstrar com objetividade o esforço e o resultado concretizado pelo atual Executivo para aumentar a entrega de habitações às famílias na cidade de Lisboa”, detalhou a CML.
Quanto às casas que estavam em obra para atribuição em outubro de 2021, as contas apresentadas são as seguintes: 170 casas na reconstrução de bairros municipais para realojamento (130 casas no Bairro da Cruz Vermelha e 40 casas no Bairro da Boavista), cujas “obras resultam da política de Habitação implementada em mandatos anteriores a 2017 pela então vereadora com o pelouro, Helena Roseta”, e 256 casas em Entrecampos, “as únicas do Programa de Renda Acessível que, apesar de ter sido anunciado em 2016, só entregou as primeiras casas em 2022” que resultam num total de 426 casas em construção.
Já no que diz respeito às habitações em obra de reabilitação, a autarquia enumerou “134 casas no Programa de Reconversão de Edifícios da Segurança Social (a maioria sorteada precocemente pelo executivo anterior, pelo que os moradores sorteados tiveram de aguardar mais de um ano pelo fim da obra, o que aconteceu no final de 2022)”, mais “60 casas no Programa de Intervenção no Edificado Disperso” e “84 casas nos bairros municipais”. Contas feitas, a CML atribuiu a Medina um total de 704 casas em construção/prontas a entregar.
Por fim, a autarquia lisboeta concluiu que no “atual mandato foram candidatadas ao PRR um total de 9.203 casas (para construção e reabilitação) com um investimento público estimado de 442 milhões de euros”, sendo que este investimento “insere-se nos 800 milhões de euros assinados com o IHRU até 2028”.
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Avaliação do Polígrafo:

