“Inaugurámos a nova residência de estudantes no Campo Pequeno. Trabalhamos diariamente para aumentar a oferta de habitação: através do setor público e do privado, do setor social e cooperativo”, destacou Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, num tweet de 17 de março que exibe retratos da sua participação na inauguração, desde logo o momento em que remove a bandeira municipal que cobria o que parece ser uma placa com referência à data da cerimónia e presença do autarca.
Mas nem todos ficaram impressionados com o “trabalho diário” de Moedas para “aumentar a oferta de habitação”. No dia seguinte, uma utilizadora do Twitter partilhou a publicação de Moedas e comentou, não sem ironia ou sarcasmo: “Fui ver o preço dos quartos. Amanhã devo estar recuperada do choque e, ao mesmo tempo, da admiração pela coragem.”
O Polígrafo também foi impelido por vários leitores a ir “ver os preços” e confirma que não são para todas as carteiras, nem de estudantes nem de qualquer trabalhador com rendimento próximo do salário mínimo nacional.
Ora, a “residência de estudantes” em causa dá pelo nome de “Nido Campo Pequeno” e, no momento em que escrevemos este artigo, só tem quartos disponíveis a partir de 735 euros por mês, para o próximo ano letivo, tendo que se ficar “em lista de espera para setembro de 2023“.
O tipo de quarto mais “barato” (rés-do-chão ou 1.º piso, 12m2), a 695 euros por mês, já está esgotado. Tal como o segundo mais “barato” (2.º a 4.º pisos, 12m2), a 705 euros por mês. A oferta disponível começa nos 735 euros e culmina nos 1.096 euros por mês. Nesta última versão mais cara, a área não é muito superior (15 a 16m2), nem a altura (2.º a 4.º pisos).
Independentemente do tipo de quarto, os interessados têm de pagar uma caução de 800 euros para “confirmar a reserva”. Ou mais especificamente: “Terás de efetuar um pagamento adiantado de 200 euros para confirmar a tua reserva, e o restante de 600 euros da caução deverá ser pago 30 dias antes da data de início do contrato”.
“As nossas suítes Standard estão localizadas no rés-do-chão e no primeiro piso e têm uma área de aproximadamente 12m2. Foram desenhadas para que tenhas a privacidade do teu próprio quarto e da tua casa de banho privativa, enquanto desfrutas da atmosfera agitada de uma sala de estar e cozinha partilhada com 6 a 7 outras pessoas. Cada suíte inclui uma cama de solteiro, secretária de estudo e cadeira, roupeiro com prateleiras, espelho de corpo inteiro e casa-de-banho privativa”, informa-se na página da “Nido Campo Pequeno”, relativamente aos quartos de 695 euros por mês que já estão esgotados.
“A tua cozinha está equipada com alguns aparelhos. No entanto, recomendamos vivamente que tragas também outros objetos, como talheres, copos, loiça e utensílios de cozinha. As nossas placas funcionam por indução, por isso assegura-te de que os teus artigos são compatíveis. Não fornecemos roupa de cama, por isso deves trazer os teus próprios edredões, almofadas, lençóis e toalhas”, detalha-se.
“A limpeza do teu quarto e do apartamento não está incluída na tua estadia”, sublinha-se. “Contudo, garantimos que todos os espaços comuns e corredores são limpos regularmente”.
Investimento “exclusivamente privado”
Em resposta ao Polígrafo, o gabinete do presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) sublinha que o investimento nesta residência de estudantes foi “exclusivamente privado”, com um valor total de 150 milhões de euros.
“O trabalho para aumentar a oferta a este nível deve ser feito em todas as frentes, com os contributos de todos os setores e não marginalizando ninguém. O presidente da CML agradece, sem complexos, o investimento privado na cidade, que neste caso ascendeu a 150 milhões de euros”, destaca.
Por seu lado, Maria de Lurdes Rodrigues reitora do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa que marcou presença na inauguração (aliás, surge numa das fotografias a abraçar Moedas), indica que foi convidada pela empresa Nido, na qualidade de reitora do ISCTE.
“Queria conhecer o espaço, a organização, o preço das camas e fazer contactos para perceber se havia possibilidade de estabelecer protocolos com a intenção de reduzir preços, por exemplo. Para ver se há alguma possibilidade de negociação, a escassez é tão grande que os responsáveis pelas universidades têm de tentar fazer alguma coisa”, afirma Rodrigues.
A presidente da Federação Académica de Lisboa (FAL), Catarina Ruivo, também foi convidada mas decidiu não participar na inauguração. “Optámos por não ir à inauguração, apesar de termos recebido o convite, porque a pressão que se sente em Lisboa relativamente ao alojamento precisa de medidas urgentes, mas a verdade é que os preços praticados por essa residência em específico não se adequam de todo às necessidades dos estudantes e essa foi a nossa posição”, justifica.
“Nada contra iniciativas privadas, mas achamos que têm de ser acompanhadas por iniciativas públicas com preços acessíveis e um quarto de 700 euros não é comportável”, conclui Ruivo, indicando que o convite foi endereçado “pelas empresas promotoras desse evento – Round Hill Capital, Nido e TPG Real Estate – e dizia que estaria presente o presidente da Câmara Municipal”.
Questionada pelo Polígrafo, fonte oficial das empresas Nido e Round Hill Capital confirma que a Câmara Municipal de Lisboa “não tem qualquer participação financeira neste projeto”.
Relativamente ao facto de a residência estar a funcionar desde setembro de 2022, apesar da inauguração em março de 2023, explica que “só agora surgiu a oportunidade de assinalar esta inauguração oficial, porque só agora todos os envolvidos tiveram a mesma disponibilidade de agenda. (…) Convidámos Carlos Moedas por uma questão de cortesia, ele é o presidente da Câmara Municipal de Lisboa”.
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Nota Editorial: Este artigo foi atualizado às 14h30 do dia 20 de março para acrescentar declarações do gabinete do presidente da CML, da reitora do ISCTE, da presidente da FAL e das empresas Nido e Round Hill Capital.
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Avaliação do Polígrafo: